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O que é a glutamina? Veja qual o papel desse aminoácido na nutrição parenteral

Entender o que é a glutamina envolve compreender como ela se diferencia, em alguns aspectos, da maioria dos aminoácidos presentes no organismo humano. Na prática, ela é classificada como um aminoácido condicionalmente essencial1.

Ou seja, em condições normais, o organismo consegue produzi-la em quantidade suficiente, mas isso pode não ser o bastante em situações prolongadas de estresse2,3. Exemplos disso são episódios de inflamação, infecção, pós-operatório ou outros quadros catabólicos, incluindo a desnutrição1.

Nesse contexto, parece haver benefícios na indicação da glutamina em pacientes recebendo nutrição parenteral em determinadas circunstâncias. Isso é o que vamos explorar neste artigo.

 

Afinal, o que é a glutamina e qual seu papel no organismo?

Para começar, vale relembrar o papel dos aminoácidos em geral: eles são “blocos” que permitem a construção das células e tecidos4. Eles podem ser considerados essenciais (que o organismo não é capaz de sintetizar e devem ser fornecidos pela dieta) ou não essenciais (que são produzidos endogenamente pelo corpo)1.

Nesse cenário, a glutamina se destaca como um dos aminoácidos mais versáteis no organismo humano (como já destacado na introdução, inclusive). Em praticamente toda célula ela está envolvida em processos que vão desde a síntese de nucleotídeos e antioxidantes até a manutenção de uma série de funções essenciais à preservação da estrutura e da funcionalidade celular5,6,7.

Entretanto, a partir do momento em que o organismo se encontra sob estresse, a quantidade de glutamina disponível pode cair consideravelmente. Tal situação é relativamente comum e se reflete sobretudo nos músculos, no sangue e nas células imunológicas8,9,10.

Desse modo, o paciente pode apresentar redução da função imunológica, diminuição da energia celular disponível e uma série de danos orgânicos11.

 

 

Quais os benefícios da adição desse aminoácido na nutrição parenteral?

Dentro das evidências disponíveis, parece haver um efeito positivo da introdução da glutamina na nutrição parenteral de pacientes em determinados contextos12.

Uma revisão sistemática publicada em 2017, por exemplo, reuniu 15 ensaios clínicos randomizados para avaliar o uso da glutamina em pacientes críticos. Ao todo, foi possível analisar os dados de 842 indivíduos, em sua maioria com quadros de trauma, infecção ou cirurgias extensas 13.

No fim, foi possível concluir que a inclusão da glutamina em uma população bem selecionada e sem contraindicações a seu uso promoveu13:

  • Redução de complicações decorrentes de infecções;
  • Redução do tempo de permanência em unidade de terapia intensiva;
  • Redução da duração do período de ventilação mecânica;
  • Redução da mortalidade hospitalar.

Ainda de acordo com o estudo em questão, o uso da glutamina na nutrição parenteral pode oferecer ganhos em duas frentes. De um lado, tal intervenção parece relevante para alcançar melhores desfechos clínicos em pacientes críticos cirúrgicos ou vítima de traumas. De outro, a introdução desse aminoácido na fórmula administrada também confere benefícios econômicos no manejo dos recursos hospitalares13.

Mas o que é importante levar em conta nessa equação? A revisão apresenta resultados de destaque no contexto clínico e econômico, mas é muito importante que a glutamina, na forma de dipeptídeo, seja ofertada juntamente com o suporte da nutrição parenteral capaz de atender às necessidades calóricas e proteicas do paciente.

Com isso, a glutamina administrada serve como precursora em várias vias biossintéticas em vez de apenas atuar como combustível energético13. Por isso, fique atento a esses cálculos!

Veja também: A relevância da proteína no paciente crítico.

Quando a glutamina deve ser oferecida a pacientes recebendo nutrição parenteral?

Em geral, a glutamina é administrada na sua forma livre ou acompanhada de outros aminoácidos. Nesse caso, para ser estável nas fórmulas, ela é ofertada como dipeptídeo de glutamina4. A mais conhecida dessas combinações é o L-alanil-L-glutamina (ou só Ala-Gln)14.

A glutamina pode ser incluída na administração da nutrição parenteral sempre de acordo com as condições dos pacientes, conforme descrito nas principais diretrizes sobre o tema. Assim sendo, esse aminoácido pode ser importante para indivíduos com pancreatite aguda grave, por exemplo, mas o nível de evidência para essa recomendação ainda é baixo15.

Adicionalmente, a suplementação tende a oferecer benefícios consideráveis em pacientes imunossuprimidos, em que o catabolismo/hipercatabolismo afeta a homeostase do metabolismo dos aminoácidos5.

Seja como for, a European Society for Clinical Nutrition and Metabolism, (Espen) orienta que somente pacientes críticos estáveis poderiam ser avaliados quanto ao uso da glutamina na nutrição parenteral, como na revisão apresentada anteriormente.

 Vale ainda destacar que não existem dados sobre a administração de glutamina parenteral a longo prazo. Por isso, a maioria dos ensaios envolve o seu uso adicionada à nutrição parenteral, mas não por mais de 14 dias16.

Da mesma maneira, a Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral (Braspen) contraindica o uso de glutamina em pacientes na fase aguda de doença grave, com disfunção orgânica múltipla, disfunção renal, disfunção hepática ou instabilidade hemodinâmica e em doses acima de 0,5 g/kg/d15.

Por fim, com o foco em pacientes cirúrgicos, o guideline da Espen (European Society for Clinical Nutrition and Metabolism) orienta que a suplementação de glutamina deve ser avaliada em pacientes que não podem ser nutridos adequadamente por via enteral e, portanto, passam a necessitar de nutrição parenteral exclusiva17.

Agora que você sabe o que é a glutamina e qual seu papel na nutrição parenteral, confira algumas das vantagens do uso adequado de diferentes aminoácidos nas fórmulas administradas.

 

 

Referências:

  1. Fresenius Kabi. Compêndio de Nutrição Parenteral. Disponível em: <https://www.fresenius-kabi.com/br/documents/compendio_10_05_2018.pdf> Acesso 06 de fev de 2024.
  2. Griffiths RD. The evidence for glutamine use in the critically-ill. Proc Nutr Soc. 2001;60(3):403-10. Disponível em: <https://www.cambridge.org/core/journals/proceedings-of-the-nutrition-society/article/evidence-for-glutamine-use-in-the-criticallyill/5F860508E7FDB11AE85166983CA993AE>  Acesso 13 de março de 2024.
  3. Andrews FJ, Griffiths RD. Glutamine: essential for immune nutrition in the critically ill. Br J Nutr. 2002;87(Suppl 1):S3-8. Disponível em: <https://www.cambridge.org/core/journals/british-journal-of-nutrition/article/glutamine-essential-for-immune-nutrition-in-the-critically-ill/541BA13488E23C8AD5EAA5073600C2ED> Acesso 13 de março de 2024.
  4. Cruzat V, Macedo Rogero M, Noel Keane K, Curi R, Newsholme P. Glutamine: metabolism and immune function, supplementation and clinical translation. Nutrients. 2018;10(11):1564. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6266414/> Acesso 13 de março de 2024.
  5. Curi R, Lagranha CJ, Doi SQ, Sellitti DF, Procopio J, Pithon-Curi TC, et al. Molecular mechanisms of glutamine action. J Cell Physiol. 2005;204:392–401. Disponível em: <https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/jcp.20339>  Acesso 13 de março de 2024.
  6. Curi R, Newsholme P, Marzuca-Nassr GN, Takahashi HK, Hirabara SM, Cruzat V, et al. Regulatory principles in metabolism-then and now. Biochem J. 2016;473:1845–1857. Disponível em: <https://portlandpress.com/biochemj/article-lookup/doi/10.1042/BCJ20160103> Acesso 06 de fev de 2024.
  7. Cruzat VF, Pantaleao LC, Donato J Jr, de Bittencourt PI Jr, Tirapegui J. Oral supplementations with free and dipeptide forms of l-glutamine in endotoxemic mice: Effects on muscle glutamine-glutathione axis and heat shock proteins. J Nutr Biochem. 2014;25:345–352. Disponível em: <https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0955286313002568?via%3Dihub> Acesso 06 de fev de 2024.
  8. Biolo G, Fleming RY, Maggi SP, Ngyen TT, Herndon DN, Wolfe RR. Inhibition of muscle glutamine formation in hypercatabolic patients. Clin Sci. 2000;99:189-194. Disponível em: <https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/11787470/> Acesso 06 de fev de 2024.
  9. Fürst P, Albers S, Stehle P. Evidence for a nutritional need for glutamine in catabolic patients. Kidney Int Suppl. 1989;27:S287-S292. <https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/2517677/> Acesso 06 de fev de 2024.
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  14. Fürst P, Alteheld B, Stehle P. Why should a single nutrient—glutamine—improve outcome?: The remarkable story of glutamine dipeptides. Clinical nutrition supplements. 2004;1(1):3-15. Disponível em: <https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S1744116104000031> Acesso 06 de fev de 2024.
  15. Castro MG, Ribeiro PC, de Matos LBN, Abreu HB, de Assis T, Barreto PA, et al. Diretriz BRASPEN de Terapia Nutricional no Paciente Grave. BRASPEN Journal. 2023;38(2, Supl 2):0-0. Disponível em: <https://braspenjournal.org/article/10.37111/braspenj.diretrizDOENTEGRAVE/pdf/braspen-38-2%2C+Supl+2-6537d6b0a953950ad57860b3.pdf> Acesso 13 de março de 2024.
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  3. Newsholme P, Procopio J, Lima MM, Pithon-Curi TC, Curi R. Glutamine and glutamate–their central role in cell metabolism and function. Cell Biockem Funct. 2003;21:1-9. Disponível em: <https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/cbf.1003> Acesso 06 de fev de 2024.

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