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Entenda tudo sobre a nutrição parenteral na Unidade de Terapia Intensiva

Você sabe o que é nutrição parenteral? A nutrição parenteral é o fornecimento de nutrientes para um indivíduo diretamente por meio da corrente sanguínea.

Esse é um recurso utilizado quando não é possível oferecer a alimentação por outras vias. Antes de recorrer a ela, tenta-se utilizar a alimentação oral regular ou a nutrição enteral (em que o alimento é introduzido no sistema digestivo por meio de sonda, sem precisar ser deglutido).

Apesar de ser a forma de alimentação mais distante da via oral padrão, a nutrição parenteral é um recurso importante para manter o fornecimento de substâncias necessárias para o funcionamento do organismo.

No ambiente hospitalar, ela é utilizada com certa frequência e ajuda a salvar vidas, inclusive nas Unidades de Terapia Intensiva (UTI), onde são assistidos os pacientes que se encontram em estados mais grave.

Neste texto, você vai entender qual é a função da nutrição parenteral na UTI e quais são os principais pontos de atenção em relação à sua prescrição.

As informações se baseiam na Diretriz Brasileira de Terapia Nutricional no Paciente Grave. A publicação traz estudos relacionados ao tema, bem como orientações da Sociedade Brasileira de Nutrição Enteral e Parenteral (Braspen).1

 

Leia mais: Diferentes tipos de nutrição clínica

Estado nutricional do paciente crítico

A UTI recebe pacientes cujo estado de saúde é crítico e que correm o risco de sofrer uma rápida deterioração do estado nutricional. Por isso, a Braspen recomenda que esses pacientes passem por triagem e avaliação nutricional em até 48 horas após admissão. Mas, considerando a rápida deterioração que ocorre nesse paciente, devem ser realizados esforços para que a triagem ocorra nas primeiras 24 horas de admissão, reduzindo eventuais riscos.

Esse senso de urgência é importante porque doentes críticos tendem a apresentar um quadro de inflamação sistêmica. Como consequência, o organismo entra em um estado de hipercatabolismo (aumento do consumo energético) e coloca o paciente em risco de desnutrição. Portanto, além do estado nutricional inicial do paciente, a gravidade da doença que ele apresenta é um fator decisivo para a avaliação do risco nutricional.1

 

 

Quem deve receber nutrição parenteral na UTI

A via preferencial de nutrição para os pacientes na UTI é a enteral. Isso porque ela se aproxima mais do processo normal de alimentação, que utiliza o sistema digestivo. Entretanto, em diversas situações, é necessário optar pela via parenteral.

Confira a seguir alguns exemplos que podem demandar essa alternativa.

 

1.    Pacientes desnutridos que não podem usar o trato gastrointestinal

Pacientes desnutridos ou com alto risco nutricional que não possam utilizar o trato gastrointestinal devem iniciar a nutrição parenteral o mais precocemente possível. Nesse grupo, a conduta reduz complicações, tendência a infecções e mortalidade.1

 

2.    Pacientes em nutrição enteral que precisam de nutrição suplementar

Pessoas que não conseguem atingir aporte calórico proteico superior a 60% pela via digestiva após cinco a sete dias são candidatas a receber nutrição parenteral suplementar. Ela pode ser realizada apenas de forma suficiente para atingir a meta calórico-proteica, por exemplo, somando-se à nutrição enteral que já está sendo administrada.1

3.    Pacientes eutróficos com pancreatite aguda

Apesar da via enteral ser fortemente recomendada na pancreatite aguda, a via parenteral pode ser necessária para não atrasar a conquista na meta em pacientes com comprometimento nutricional. A Braspen recomenda que a via parenteral seja associada em pacientes eutróficos com pancreatite aguda quando as necessidades por via enteral, ao final da primeira semana, não fornecerem de 60% a 80% da meta.1

 

4.    Pós-operatório de pacientes desnutridos ou com alto risco nutricional

Após cirurgias, pode haver impedimento de usar o trato digestivo, como obstrução mecânica, fístula de alto débito em delgado, isquemia intestinal ou hemorragia. Quando esse é o caso, indica-se o uso precoce da via parenteral nos pacientes desnutridos ou com alto risco nutricional. Também é possível quando se sabe de antemão que o paciente não poderá receber nutrição oral ou enteral por mais de sete dias, mesmo em caso de indivíduos bem nutridos.

Já se houver possibilidade de alimentação por outras vias antes desse prazo, o ideal é que pacientes bem nutridos com contraindicação de uso do trato gastrointestinal esperem de cinco a sete dias antes de iniciar a nutrição parenteral. Isso vale também para pessoas em nutrição enteral que não conseguem receber 60% da meta estipulada. Nesse caso, após o mesmo prazo, elas devem receber apenas a suplementação parenteral necessária para atingir a meta estipulada.1

 

O que é mais importante ofertar por via parenteral na UTI?

A composição da nutrição parenteral fornecida a cada paciente depende da avaliação de seu estado nutricional, da gravidade da doença e de diversos outros fatores que variam caso a caso. De forma geral, deve ser ofertada uma combinação dos três macronutrientes (proteínas, carboidratos e lipídios) e micronutrientes (vitaminas e minerais) que busque atender a essas necessidades.

As proteínas devem receber atenção especial, pois a prioridade na terapia nutricional na UTI é conter a perda de massa muscular. A preservação da musculatura altera o tempo de internação, os dias de ventilação mecânica e a taxa de mortalidade.1,5,6,7

 

Proteínas e aminoácidos

 

 

Pacientes em estado crítico apresentam uma forte resposta inflamatória e um hipermetabolismo, que aumenta a demanda por aminoácidos. Além do uso normal das proteínas, que são fundamentais para a manutenção da vida, no paciente crítico elas são amplamente utilizadas pelas células de defesa imunológica.3

Portanto, é estratégico oferecer uma dose aumentada de proteínas ao paciente internado na UTI para evitar que o aumento do consumo de energia e proteínas resulte na perda de massa muscular. Ao garantir o aporte proteico adequado na fase aguda da doença, melhora-se também o balanço nitrogenado desses pacientes.1

 

Leia também: Perda muscular em pacientes hospitalizados: como a nutrição pode ajudar?

 

Glutamina

Em associação com a nutrição parenteral bem indicada e elaborada, o uso de glutamina pode trazer benefícios clínicos aos pacientes graves, devendo ser considerada individualmente. Mesmo sendo um aminoácido não essencial, ela participa de muitos processos fisiológicos, metabólicos, imunológicos, antioxidantes, de sínteses e estruturais. Nos pacientes graves, seus níveis plasmáticos decrescem marcantemente.

Quando utilizada pela via parenteral, nas concentrações de 0,3 a 0,5 g/kg/ dia e, no máximo, de 30% do nitrogênio total prescrito, a glutamina reduz a incidência de complicações infecciosas, tempos de internação na UTI e no hospital, tempo de ventilação mecânica e taxa de mortalidade hospitalar. Esses valores foram verificados em um estudo sistemático randomizado publicado na revista Clinical Nutrition, da Espen.11

Entretanto, o uso parenteral de glutamina está contraindicado em pacientes com disfunção orgânica múltipla, disfunção renal, disfunção hepática ou instabilidade hemodinâmica.1

 

Cuidados com a nutrição parenteral na UTI

 

  • O uso da via parenteral deve ser feito de forma progressiva para evitar a hiperalimentação nos primeiros dias, que poderia trazer desfechos negativos para o paciente grave.

 

  • Pacientes obesos críticos se beneficiam de uma oferta hipocalórica e hiperproteica1.

 

  • A hipofosfatemia é um achado frequente em pacientes críticos sob nutrição parenteral, sendo necessário monitorar e, se for o caso, suplementar1. Os níveis reduzidos de fósforo estão associados à sepse, síndrome da realimentação, uso de diuréticos, métodos dialíticos contínuos, alcalose e retardo no desmame ventilatório de pacientes críticos.12,13

 

  • A nutrição parenteral é uma terapia de prescrição complexa associada a efeitos adversos significativos, caso as diretrizes de práticas seguras não sejam seguidas.

 

  • A prescrição de nutrição parenteral de maneira adequada e segura é a primeira etapa crítica e um componente essencial, bem como dispositivos de acesso vascular (periférico e central) e seus cuidados associados para evitar complicações.4

 

 

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Referências
  1. CASTRO, M.G. et al. Diretriz Brasileira de Terapia Nutricional no Paciente Grave. BRASPEN J 2018; 33 (Supl 1):2-36. Disponível em: https://www.braspen.org/_files/ugd/a8daef_695255f33d114cdfba48b437486232e7.pdf. Acesso em: 6 dez. 2021,
  2. CORREIA, M. et al. Hospital malnutrition in Latin America: a systematic review. Clinical Nutrition 36 (2017) 958-967. Disponível em: https://www.clinicalnutritionjournal.com/article/S0261-5614(16)30160-1/fulltext. Acesso em: 20 dez. 2021
  3. Pfeilsticker, F. J. A. Nutrição Parenteral na Unidade de Terapia Intensiva: qual o papel da oferta hiperproteica. Brasil, 2019. Disponível em: https://www.braspen.org/post/nutri%C3%A7%C3%A3o-parenteral-na-unidade-de-terapia-intensiva-qual-o-papel-da-oferta-hiperproteica. Acesso em: 6 dez 2021.
  4. Boullata, J.I; Gilbert, K; Sacks, G; Labossiere, R.J; Crill, C; Goday, P; Kumpf V.J;, Mattox, T.W; Plogsted, S; Holcombe, B; American Society for Parenteral and Enteral Nutrition. S.P.E.N. clinical guidelines: parenteral nutrition ordering, order review, compounding, labeling, and dispensing. JPEN J Parenter Enteral Nutr. 2014 Mar-Apr;38(3):334-77.
  5. van Bokhorst-de van der Schueren MA, Guaitoli PR, Jansma EP, de Vet HC. Nutrition screening tools: does one size fit all? A systematic review of screening tools for the hospital setting. Clin Nutr. 2014;33(1):39-58.
  6. Kondrup Nutritional-risk scoring systems in the intensive care unit. Curr Opin Clin Nutr Metab Care. 2014;17(2):177-82.
  7. Anthony PS. Nutrition screening tools for hospitalized patients. Nutr Clin Pract. 2008;23(4):373-82.
  8. Puthucheary ZA, Rawal J, McPhail M, Connolly B, Ratnayake G, Chan P, et al. Acute skeletal muscle wasting in critical illness. JAMA. 2013;310(15):1591-600.
  9. Puthucheary ZA, Phadke R, Rawal J, McPhail MJ, Sidhu PS, Rowlerson A, et al. Qualitative ultrasound in acute critical illness muscle wasting. Crit Care Med. 2015;43(8):1603-11.
  10. Herridge MS, Tansey CM, Matté A, Tomlinson G, DiazGranados N, Cooper A, et al. Functional disability 5 years after acute respiratory distress syndrome. N Engl J Med. 2011;364(14):1293-304.
  11. Stehle P, Ellger B, Kojic D, Feuersenger A, Schneid C, Stover J, et al. Glutamine dipeptide-supplemented parenteral nutrition improves the clinical outcomes of critically ill patients: a systematic evaluation of randomised controlled trials. Clin Nutr ESPEN. 2017;17:75-85.
  12. Taylor BE, Huey WY, Buchman TG, Boyle WA, Coopersmith CM. Treatment of hypophosphatemia using a protocol based on patient weight and serum phosphorus level in a surgical intensive care unit. J Am Coll Surg. 2004;198(2):198-204.
  13. Aubier M, Murciano D, Lecocguic Y, Viires N, Jacquens Y, Squara P, et al. Effect of hypophosphatemia on diaphragmatic contractility in patients with acute respiratory failure. N Engl J Med. 1985;313(7):420-4.

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