Sarcopenia e caquexia: entenda os obstáculos da terapia nutricional nesses quadros
A manutenção da massa muscular desempenha papel importante em diferentes funções do organismo. Não por menos, condições como sarcopenia e caquexia podem impactar, de forma significativa, desfechos clínicos em pacientes de diferentes perfis.
Embora essenciais, intervenções nutricionais para contornar esses quadros podem apresentar desafios. Além disso, é preciso reforçar que o comprometimento muscular nem sempre está associado somente à desnutrição ou ao peso abaixo do ideal. Assim, pacientes com sobrepeso e obesidade também podem apresentar prejuízo à massa muscular e todas as consequências do problema.
Definição e diagnóstico dos quadros de sarcopenia
A sarcopenia é caracterizada pela perda progressiva e generalizada de massa e função muscular1. A prevalência do problema varia de acordo com a idade. De acordo com um estudo publicado em 2019, a sarcopenia pode atingir em torno de 36,5% das pessoas com 80 anos ou mais2. Entre aqueles com idades entre 60 anos e 70 anos, o problema alcança, em média, 21,2% das pessoas deixa faixa etária, sempre que levando em conta que esses números podem ser maiores ou menores de acordo com a população analisada2.
Por muito tempo, a sarcopenia esteve associada somente à progressiva perda muscular associada ao envelhecimento3. No entanto, as definições mais atualizadas ampliaram esse escopo, incluindo menções à função muscular. Independente do contexto, os quadros de sarcopenia estão associados a uma maior incidência de quedas, declínio funcional e mortalidade 4.
Quando a deterioração da capacidade muscular não está associada a nenhuma doença e é causada apenas pelo envelhecimento, o quadro é definido como sarcopenia primária5. Já os episódios de sarcopenia secundária estão relacionados a doenças, à inatividade física (pacientes acamados ou sedentários) e à nutrição inadequada (problemas na alimentação, na absorção de nutrientes ou uso de determinados medicamentos, entre outros)6,7.
A definição do risco de desenvolver sarcopenia e o diagnóstico da condição são feitos por meio de questionários, protocolos de avaliação da capacidade muscular e utilização de exames de imagem. Desde 2019, a diretriz da The European Working Group on Sarcopenia in Older People (EWGSOP) aponta métodos qualitativos e quantitativos com escalas e escores divididos conforme a progressão da gravidade do quadro. Assim, o paciente pode ter um risco de sarcopenia ou provável sarcopenia ou receber um diagnóstico de sarcopenia ou sarcopenia grave4.
Definição e diagnóstico dos quadros de caquexia
A caquexia, por sua vez, é uma síndrome metabólica associada a uma doença de base. Dessa forma, há uma constante elevação da demanda basal de energia, o que não é compensado pelo aumento da ingestão de calorias e demais nutrientes.
Ela é caracterizada sobretudo pela perda de massa muscular, associada ou não a perda de gordura8. Com isso, pacientes que sofrem com o problema apresentam acentuada perda de peso e risco maior de mortalidade, principalmente devido à elevação de uma série de processos inflamatórios8.
Em pacientes com câncer, a prevalência de caquexia varia entre 40% e 70%, dependendo do estágio do tumor. Além disso, entre 20% e 25% dos pacientes com tumores sólidos, a caquexia é a causa primária de óbito 9,10,11,12. No mais, o problema também se faz presente em pacientes com doenças como Aids, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e doenças cardíacas e renais crôncias9.
Em adultos, o diagnóstico de caquexia se dá a partir dos seguintes parâmetros13:
- Perda de peso não intencional de, no mínimo, 5% em 12 meses;
- Constatação de redução na força muscular;
- Baixo índice de massa magra;
- Fadiga;
- Anorexia;
- Alterações em fatores bioquímicos (marcadores inflamatórios e redução na albumina sérica, por exemplo).
Os desafios da terapia nutricional em episódios de sarcopenia e caquexia
Há certo ceticismo em relação à possibilidade de reversão do comprometimento físico causado por doenças como a sarcopenia e a caquexia. Em todo caso, vale reforçar que tal prejuízo dificilmente é contido ou compensado apenas por meio de abordagens convencionais de suporte nutricional.
Principalmente na caquexia, a combinação adequada de nutrientes e agentes anti-inflamatórios é essencial14. Para os quadros de sarcopenia, a literatura e as diretrizes mais recentes são claras sobre a importância dos exercícios físicos no processo de recuperação15.
Embora haja debates sobre a quantidade, a maior parte das referências sobre o tema são conclusivas para a indicação do aumento da ingestão de proteínas em pacientes com sarcopenia15,16. Dessa forma, consensos recomendam tal forma de intervenção, principalmente por meio de suplementos nutricionais orais17. A importância de outros nutrientes na recuperação da condição muscular ainda permanece incerta18. E é importante considerar que não há fármacos específicos disponíveis para o tratamento da sarcopenia1.
Já para pacientes com caquexia, o foco numa abordagem multimodal deve ser ainda maior. Assim, a maioria das abordagens envolve a adoção de ações para promover a melhoria no apetite e reduzir os processos inflamatórios, embora não haja intervenção específica para esses fins. De qualquer forma, cabe ressaltar que o aumento no consumo nutricional, por si só, não reverte o desequilíbrio metabólico8.
Muitas vezes negligenciadas, sarcopenia e caquexia são questões que precisam ser abordadas durante acompanhamento de pacientes, em diversos quadros e faixas etárias. Com isso, é possível reduzir o prejuízo à qualidade de vida e desfechos negativos provocados por essas condições. Ainda assim, é essencial considerar os desafios apresentados para estabelecer as melhores abordagens possíveis.
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Referências
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