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Hipofosfatemia no uso da nutrição parenteral: qual a incidência e como deve ser o monitoramento da condição?

A hipofosfatemia é uma condição frequentemente associada à introdução da terapia nutricional, sobretudo na via parenteral. De todo modo, muitas incertezas ainda existem sobre a forma como deve se dar o manejo e o monitoramento dos indivíduos em risco e já afetados pelo desequilíbrio do fósforo.

Vale reforçar também que a hipofosfatemia (e, menos frequente, outros desequilíbrios eletrolíticos) costuma ser um marcador importante da chamada síndrome de realimentação1. Esse problema pode colocar em risco a vida dos pacientes e se manifesta com incidências variadas em diferentes circunstâncias. Isso reforça ainda mais a necessidade de uma abordagem multidisciplinar para dar conta desse problema1.

 

O que se sabe sobre a incidência de hipofosfatemia em pacientes recebendo nutrição parenteral?

Em geral, estima-se que a hipofosfatemia atinja entre 0,2% e 2,2% entre todos os pacientes admitidos em uma unidade hospitalar2. Contudo, já se sabe que a demanda de cuidados intensivos, a presença de quadros desconforto respiratório, infecção grave e a necessidade de nutrição enteral ou parenteral são condições associadas a uma elevação de 30% a 40% nas ocorrências desse problema3,4.

Com relação à introdução da nutrição parenteral, um estudo de 2016 mostrou que em uma amostra de 57 pacientes que receberam essa forma de suporte nutricional, a incidência de hipofosfatemia era de 39,6%. Nesse estudo foi considerado um patamar abaixo de 0,80 mmol/L para caracterizar a deficiência sérica. A monitorização foi feita em diferentes momentos antes e depois do início da administração da dieta via parenteral1.

O estudo acompanhou pacientes com idade média de 59,1 anos, em sua maioria homens (representando pouco mais de 60% da amostra)1. Em geral, a nutrição parenteral foi solicitada quando pacientes eram admitidos em unidades de terapia intensiva ou nas enfermarias cirúrgicas.

Assim, 41% da amostra apresentou risco de desenvolver a síndrome de realimentação, demandando, inclusive, uma taxa reduzida de infusão da nutrição parenteral1.

A hipofosfatemia, portanto, apresenta relação com a nutrição parenteral uma vez que ela costuma ser ofertada para o paciente já desnutrido, com mais chances de apresentar comprometimento nutricional e a síndrome de realimentação. Além disso, há o risco de a solução apresentar uma concentração baixa de fósforo,5,6.

De todo modo, cuidado semelhante deve ser tomado quando da introdução da nutrição enteral, pois essa terapia nutricional também apresenta forte relação com o risco de síndrome de realimentação7.

 

Que desfechos e complicações estão associados à hipofosfatemia?

Entre alguns dos comprometimentos mais comuns nesses quadros estão8:

  • Prejuízo à função neuromuscular (com confusão mental, parestesias, entre outros sintomas);
  • Insuficiência respiratória;
  • Episódios de rabdomiólise (destruição de fibras musculares).

No mais, a queda de fosfato no organismo pode originar trombocitopenia, coagulopatia, disfunção leucocitária e eritrocítica8.

A síndrome de realimentação pode desencadear ainda o desequilíbrio de outros minerais. Isso tende a gerar casos de hipomagnesemia e hipocalemia, condições associadas a desfechos como arritmias cardíacas graves e alterações neuromusculares8.

Logo,  todas essas mudanças, em conjunto com a desnutrição acentuada e prolongada, levam à atrofia cardíaca e tornam o coração mais vulnerável à hipofosfatemia e hipocalemia, elevando a chance de morte súbita7.

Para ilustrar isso, vamos recorrer mais uma vez aos números do estudo já citado no tópico anterior. Dentro da amostra analisada, 45,6% dos pacientes sob cuidados hospitalares recebendo intervenção nutricional foram à óbito1.

E os autores mostram que nesse pior desfecho os indivíduos apresentavam uma concentração de fósforo maior no início do acompanhamento1. Isso indica que a queda do fósforo sérico foi mais elevada nesse grupo, principalmente considerando o segundo e o terceiro dia após a introdução da nutrição parenteral1.

Além da hipofosfatemia, houve manifestações de hipomagnesemia (deficiência de magnésio), de hipocalemia (deficiência de potássio) e de hiponatremia (deficiência de sódio) em 28,1%, 7% e 8,8% dos pacientes, respectivamente1.

 

Qual a importância do monitoramento dessa condição e como fazer isso da forma adequada?

Profissionais de saúde que atuam no manejo de pacientes com comprometimento nutricional grave devem ter a ciência dos protocolos de cada instituição. A partir disso, o acompanhamento adequado desde o primeiro dia da admissão pode fazer toda a diferença na identificação dos pacientes sob risco de desenvolver a síndrome de realimentação1.

Assim sendo, é preciso considerar que a maioria dos quadros de síndrome de realimentação tende a ocorrer entre o terceiro e o quinto dia após o início da nutrição parenteral9.  Logo, considerando o papel da hipofosfatemia na evolução da síndrome e como marcador de estágios precoces dessa complicação, a concentração de fósforo sérico tende a ser um indicador importante10.

No entanto, a hipofosfatemia associada à terapia nutricional possui diferentes pontos de corte da concentração sérica de fosfato1. Esses números geralmente variam de acordo com as evidências consultadas e não há definição universalmente aceita1.

Ao mesmo tempo, não é incomum que pacientes apresentem deficiências de fosfato antes mesmo do início da nutrição via enteral ou parenteral. Inclusive, no estudo analisado, 15,8% dos pacientes estavam nessa condição1.

Com isso, várias evidências sugerem que pacientes sob risco da síndrome de realimentação devem passar por monitorização diária de eletrólitos, sinais vitais e peso, sobretudo nas primeiras 72 horas após o início da terapia nutricional11.

Assim, o manejo de possíveis casos de hipofosfatemia envolve a correção do desequilíbrio, principalmente na presença de quadros graves ou que apresentam sintomas e sinais como arritmias, insuficiência cardíaca, fraqueza muscular e convulsões7,12-14.

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Referências:

  1. Fung EC, Wickramasinghe SR, Panteli JV, Crook MA. Hypophosphataemia and parenteral nutrition; biochemical monitoring, incidence and outcomes. Br J Biomed Sci. 2017;74(1):48-51. Disponível em: <https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/09674845.2016.1209896> Acesso em 20 de março de 2024.
  2. Gaasbeek A, Meinders AE. Hypophosphatemia: an update on its etiology and treatment. Am J Med. 2005 Oct;118(10):1094-1101. Disponível em: <https://www.amjmed.com/article/S0002-9343(05)00100-2/abstract> Acesso em 20 de março de 2024.
  3. Weinsier R. Death resulting from overzealous total parenteral nutrition: the refeeding syndrome revisited. Am J Clin Nutr. 1980;34(2):393–9.
  4. Llop Talaveron JM, Comas Sugranes D, Badia Tahull MB, Saez Fernandez A, Jodar Masanes R, Gomez Saez JM. Hypophosphatemia in parenteral nutrition: prevention and associated risk factors. Nutr Hosp. 2004;19(6):362–6.
  5. Fernandes VPI, da Costa Pinto EAL, Boin IDFSF, Nogueira RJN. Phosphorus levels during infusion of parenteral nutrition with calorie-based phosphorus concentration: a case series. e-SPEN Eur e-J Clin Nutr Metab. 2009;4(5):e252-e256. Disponível em: <https://clinicalnutritionespen.com/article/S1751-4991(09)00074-2/fulltext> Acesso em 11 de abril de 2024.
  6. Marinella MA. The refeeding syndrome and hypophosphatemia. Nutr Rev. 2003;61(9):320-3. Disponível em: <https://academic.oup.com/nutritionreviews/article/61/9/320/1907832?login=false> Acesso em 11 de abril de 2024.
  7. Zeki S, Culkin A, Gabe SM, Nightingale JM. Refeeding hypophosphataemia is more common in enteral than parenteral feeding in adult in patients. Clin Nutr. 2011;30(3):365-8. Disponível em: <https://www.clinicalnutritionjournal.com/article/S0261-5614(10)00213-X/abstract> Acesso em 20 de março de 2024.
  8. Friedli N, Stanga Z, Culkin A, Crook M, Laviano A, Sobotka L, et al. Management and prevention of refeeding syndrome in medical inpatients: an evidence-based and consensus-supported algorithm. 2018;47:13-20. Disponível em: <https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0899900717302071?via%3Dihub> Acesso em 20 de março de 2024.
  9. Crook MA, Hally V, Panteli JV. The importance of the refeeding syndrome. 2001;17:632–637. Disponível em: <https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0899900701005421?via%3Dihub>Acesso em 20 de março de 2024.
  10. A mixed bag. An enquiry into the care of hospital patients receiving parenteral nutrition. A report by the national confidential enquiry into patient outcome and death. London; 2010. Disponível em: <http://www.ncepod.org.uk/2010report1/downloads/PN_summary.pdf > Acesso em 20 de março de 2024.
  11. Aubry E, Friedli N, Schuetz P, Stanga Z. Refeeding syndrome in the frail elderly population: prevention, diagnosis and management. Clin Exp Gastroenterol. 2018;11:255-64. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6045900/> Acesso em 11 de abril de 2024.
  12. Rio A, Whelan K, Goff L. Occurrence of refeeding syndrome in adults started on artificial nutrition support: prospective cohort study. BMJ Open. 2013. Disponível em: <https://bmjopen.bmj.com/content/3/1/e002173.long> Acesso em 11 de abril de 2024.
  13. Schetz M, Casaer MP, van den Berge G. Does artificial nutrition improve outcomes of critical illness? Crit Care. 2013;17:302. doi:10.1186/cc11828. Disponível em: <https://ccforum.biomedcentral.com/articles/10.1186/cc11828> Acesso em 11 de abril de 2024.
  14. Shenkin A. Biochemical monitoring of nutrition support. Ann Clin Biochem. 2006;43:269–272. Disponível em: <https://journals.sagepub.com/doi/10.1258/000456306777695609?url_ver=Z39.88-2003&rfr_id=ori:rid:crossref.org&rfr_dat=cr_pub%20%200pubmed> Acesso em 11 de abril de 2024.

 

 

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