Entenda tudo sobre a nutrição parenteral na Unidade de Terapia Intensiva
No ambiente hospitalar, a nutrição parenteral é utilizada com certa frequência, em especial nas Unidades de Terapia Intensiva (UTI), onde são assistidos os pacientes que se encontram em estados mais grave.
A seguir, você irá entender qual é a função da nutrição parenteral na UTI e quais são os principais pontos de atenção em relação à sua prescrição.
Estado nutricional do paciente crítico
A UTI recebe pacientes cujo estado de saúde é crítico e que correm o risco de sofrer uma rápida deterioração do estado nutricional. Por isso, a BRASPEN recomenda que esses pacientes passem por triagem e avaliação nutricional em até 48 horas após a admissão (1).
Entretanto, considerando a rápida deterioração que ocorre nesse paciente, devem ser realizados esforços para que a triagem ocorra nas primeiras 24 horas de admissão, reduzindo eventuais riscos (1).
Esse senso de urgência é importante porque os doentes críticos tendem a apresentar um quadro de inflamação sistêmica. Como consequência, o organismo entra em estado de hipercatabolismo (aumento do consumo energético) e coloca o paciente em risco de desnutrição. Portanto, além do estado nutricional inicial do paciente, a gravidade da doença que ele apresenta é fator decisivo para a avaliação do risco nutricional (1).
Quem deve receber nutrição parenteral na UTI?
A via preferencial de nutrição para os pacientes na UTI é a enteral. Isso porque ela se aproxima mais do processo normal de alimentação, que utiliza o sistema digestivo. Entretanto, em diversas situações, é necessário optar pela via parenteral.
O conceito antiquado (e impreciso) de que “NP é prejudicial” para os pacientes de UTI já foi refutado. As diretrizes para UTI da Sociedade Americana de Nutrição Parenteral e Enteral (ASPEN) destacam que, quando a NE não é viável, o fornecimento de NP em curto prazo é seguro, eficaz e apresenta resultados semelhantes aos da NE, sem estar associado ao risco de infecção (2).
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Confira a seguir alguns exemplos que podem demandar essa alternativa.
Pacientes desnutridos que não podem usar o trato gastrointestinal
Pacientes desnutridos ou com alto risco nutricional que não possam utilizar o trato gastrointestinal devem iniciar a nutrição parenteral o mais precocemente possível. Nesse grupo, a conduta reduz complicações, tendência a infecções e mortalidade (1).
Pacientes em nutrição enteral que precisam de nutrição suplementar
Pessoas que não conseguem atingir aporte calórico-proteico superior a 60% pela via digestiva após sete dias são candidatas a receber nutrição parenteral suplementar. Ela pode ser realizada apenas de forma suficiente para atingir a meta calórico-proteica, por exemplo, somando-se à nutrição enteral que já está sendo administrada (1).
Pacientes eutróficos com pancreatite aguda
Apesar da via enteral ser fortemente recomendada na pancreatite aguda, a via parenteral pode ser necessária para não atrasar a conquista na meta em pacientes com comprometimento nutricional.
A Braspen recomenda que a via parenteral seja associada em pacientes eutróficos com pancreatite aguda quando as necessidades por via enteral, ao final da primeira semana, não fornecerem de 60% da meta (1).
Pós-operatório de pacientes desnutridos ou com alto risco nutricional
Após cirurgias, pode haver impedimento de usar o trato digestivo, como obstrução mecânica, fístula de alto débito em delgado, isquemia intestinal ou hemorragia. Quando esse é o caso, indica-se o uso precoce da via parenteral nos pacientes desnutridos ou com alto risco nutricional.
Também é possível quando se sabe de antemão que o paciente não poderá receber nutrição oral ou enteral por mais de sete dias, mesmo em casos de indivíduos bem nutridos (1).
Pacientes oncológicos
Grande parte dos pacientes com câncer na UTI apresentam desnutrição, que pode ser causada por uma combinação de efeitos induzidos pelo tumor e pelo tratamento (3). Estes incluem disfunção orgânica, obstrução do trato gastrointestinal, redução do apetite, ingestão alimentar extremamente baixa, náuseas e vômitos, hipermetabolismo, má absorção, entre outros (3, 4).
Como consequência, a perda de peso pode progredir para caquexia, uma forma grave e específica de desnutrição, caracterizada por atrofia muscular e perda de massa magra e função muscular (3).
Quando a nutrição enteral não é viável ou não atende às necessidades nutricionais completas, a nutrição parenteral suplementar (NPS) pode preencher essa lacuna. Por outro lado, em pacientes com trato GI não funcionante ou comprometido, a nutrição parenteral (NP) exclusiva pode ser adotada (3).
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O que é mais importante ofertar por via parenteral na UTI?
A NP é um dos medicamentos mais complexos prescritos em ambientes de saúde, e comumente contém quase 50 ingredientes farmacêuticos ativos individuais (5).
A composição da nutrição parenteral fornecida a cada paciente depende da avaliação de seu estado nutricional, da gravidade da doença e de diversos outros fatores que variam caso a caso (1, 6, 7, 8).
Assim como uma formulação enteral, uma formulação de NP deve consistir em todos os macronutrientes (aminoácidos, dextrose/glicose e lipídios), fluidos e eletrólitos, vitaminas e oligoelementos, com o objetivo de atender às necessidades nutricionais do paciente (5).
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Contudo, as proteínas são alvo de atenção especial, pois a prioridade na terapia nutricional na UTI é conter a perda de massa muscular. A preservação da musculatura altera o tempo de internação, os dias de ventilação mecânica e a taxa de mortalidade (1, 6, 7, 8).
Proteínas e aminoácidos
Pacientes em estado crítico apresentam uma forte resposta inflamatória e um hipermetabolismo, que aumenta a demanda por aminoácidos. Além do uso normal das proteínas, que são fundamentais para a manutenção da vida, no paciente crítico elas são amplamente utilizadas pelas células de defesa imunológica (9).
Na UTI, o fornecimento mais alto de proteínas está associado a melhores resultados e redução da perda de massa muscular em estudos observacionais. Desse modo, as diretrizes internacionais recomendam aumentar a proteína para 1,3 a 2,0 g/kg/dia (2).
Contudo, a resposta anabólica pode ser atenuada devido a variações na resistência anabólica, imobilização, resistência à insulina, inflamação, diminuição do número de células satélites musculares e baixo ATP muscular (2).
Ademais, estudos recentes não mostram benefícios com altas doses de proteína (>2,2 g/kg/dia), podendo até causar efeitos adversos (como aumento da perda muscular, inibição da autofagia, aumento da ureogênese, falência prolongada de órgãos e tempo de internação) (2).
De modo geral, recomenda-se atenção ao:
- Momento de oferta: Sugere-se que o alto consumo de proteína precoce (> 0,8 g/kg/d) está associado a maior mortalidade, enquanto o alto consumo de proteína durante os dias 4 a 7 (> 1,2 g/kg/d) está associado à melhora da sobrevida (2).
- Biomarcadores: acompanhar perda muscular, , inflamação e resistência à insulina pode ajudar a identificar pacientes que se beneficiam de maior aporte de proteína. Porém, avaliar as necessidades individuais de proteína na UTI pode ser desafiador (2).
Vale ressaltar que o uso de diferentes tipos de aminoácidos, como glutamina e arginina, pode ser vantajoso. Por exemplo, as diretrizes da Sociedade Europeia de Nutrição Clínica e Metabolismo (ESPEN) indicam o uso de glutamina para pacientes com queimaduras (0,3 a 0,5 g/kg/dia por 10 a 15 dias) e traumas graves (0,2 a 0,3 g/kg/dia nos primeiros 5 dias) (10).
Saiba mais em: Vantagens no uso de diferentes aminoácidos na nutrição parenteral
Emulsões lipídicas
Os lipídios, administrados na forma de emulsões lipídicas (ELs), também são uma parte integrante de uma formulação de NP balanceada. Eles servem como uma fonte condensada de energia e ácidos graxos essenciais (5).
Atualmente, ELs a base de óleo de soja puro são indicadas apenas para pacientes metabolicamento estáveis, com previsão de nutrição parenteral de curta duração (16). Já o uso da nova geração de ELs com óleo de peixe é incentivado devido aos benefícios e resultados clínicos (5).
Saiba mais: Emulsões lipídicas parenterais: tudo que você precisa saber
Cuidados com a nutrição parenteral na UTI
Momento de oferta: O uso da via parenteral deve ser feito de forma progressiva para evitar a hiperalimentação nos primeiros dias, que poderia trazer desfechos negativos para o paciente grave (1). A terapia nutricional precoce com altas doses devem ser evitada até que o paciente esteja estabilizado no início da internação na UTI (2).
Entretanto, quando a NP precoce for utilizada, as diretrizes recomendam uma abordagem gradual para o fornecimento de energia/proteína com doses iniciais iniciando em 10–15 kcal/kg ou < 70% de gasto energético de repouso da calorimetria indireta e proteína iniciando em < 0,8 g/kg/d com avanço ao longo da primeira semana na UTI (2).
Condições de cada paciente: A heterogeneidade dos pacientes na UTI pode complicar a nutrição parenteral, e diversos fatores, como doença primária, comorbidades e fase crítica da doença, influenciam as necessidades individuais de cada paciente. Os aspectos mais importantes dos diferentes grupos de pacientes estão resumidos na figura abaixo (11).

Efeitos adversos: A nutrição parenteral é uma terapia de prescrição complexa associada a efeitos adversos significativos, incluindo desidratação e desequilíbrios eletrolíticos, hiperglicemia, hipoglicemia, insuficiência hepática, entre outros (12). Sendo assim, suas diretrizes de práticas seguras devem ser seguidas.
A prescrição de nutrição parenteral de maneira adequada e segura é a primeira etapa crítica e um componente essencial, bem como a via de acesso venoso (periférico e central) e seus cuidados associados para evitar complicações (13).
Hipofosfatemia: A hipofosfatemia é um achado frequente em pacientes críticos sob nutrição parenteral, sendo necessário monitorar e, se for o caso, suplementar (1). Os níveis reduzidos de fósforo estão associados à sepse, síndrome da realimentação, uso de diuréticos, métodos dialíticos contínuos, alcalose e retardo no desmame ventilatório de pacientes críticos (14, 15).
O que podemos concluir?
A nutrição parenteral na UTI é uma ferramenta essencial no manejo nutricional do paciente crítico, especialmente quando a via enteral não é viável ou insuficiente.
Com base nas diretrizes mais atuais, sua prescrição deve seguir critérios clínicos bem estabelecidos, ser iniciada de forma progressiva e monitorada rigorosamente considerando os riscos, benefícios e complexidades de cada caso.
Prescrita de maneira adequada, a nutrição parenteral pode contribuir significativamente para a recuperação clínica, impactando positivamente nos desfechos hospitalares.
Referências:
1 – Castro MG, Oliveira RP, Viana MV, et al. Diretriz Brasileira de Terapia Nutricional no Paciente Grave. BRASPEN J. 2018;33(Supl 1):2-36.
2 – Wischmeyer PE, Bear DE, Berger MM, et al. Personalized nutrition therapy in critical care: 10 expert recommendations. Crit Care. 2023;27:261.
3 – Cotogni P, Bozzetti F, Goldwasser F, Jimenez-Fonseca P, Roelsgaard Obling S, Valle JW. Supplemental parenteral nutrition in cancer care: why, who, when. Ther Adv Med Oncol. 2022 Sep 26;14:17588359221113691.
4 – Balstad TR, Løhre ET, Thoresen L, et al. Parenteral Nutrition in Advanced Cancer: The Healthcare Providers’ Perspective. Oncol Ther. 2022 Jun;10(1):211-223.
5 – Ayers P, Berger MM, Berlana D, et al. Expert consensus statements and summary of proceedings from the International Safety and Quality of Parenteral Nutrition Summit. Am J Health Syst Pharm. 2024 Jun 15;81(Suppl 3):S75–S88.
6 – van Bokhorst-de van der Schueren MA, Guaitoli PR, Jansma EP, de Vet HC. Nutrition screening tools: does one size fit all? A systematic review of screening tools for the hospital setting. Clin Nutr. 2014;33(1):39-58.
7 – Kondrup J. Nutritional-risk scoring systems in the intensive care unit. Curr Opin Clin Nutr Metab Care. 2014;17(2):177-182.
8 – Anthony PS. Nutrition screening tools for hospitalized patients. Nutr Clin Pract. 2008;23(4):373-382.
9 – Pfeilsticker FJA. Nutrição Parenteral na Unidade de Terapia Intensiva: qual o papel da oferta hiperproteica? [dissertação]. Brasil: 2019.
10 – Singer P, Blaser AR, Berger MM, et al. ESPEN practical and partially revised guideline: Clinical nutrition in the intensive care unit. Clin Nutr. 2023 Sep;42(9):1671-1689.
11 – Hill A, Elke G, Weimann A. Nutrition in the Intensive Care Unit—A Narrative Review. Nutrients. 2021;13(8):2851.
12 – Stanford Medicine Health Care. Complications – Total Parenteral Nutrition.
13 – Boullata JI, Gilbert K, Sacks G, et al. ASPEN clinical guidelines: parenteral nutrition ordering, order review, compounding, labeling, and dispensing. JPEN J Parenter Enteral Nutr. 2014 Mar-Apr;38(3):334-377.
14 – Taylor BE, Huey WY, Buchman TG, Boyle WA, Coopersmith CM. Treatment of hypophosphatemia using a protocol based on patient weight and serum phosphorus level in a surgical intensive care unit. J Am Coll Surg. 2004;198(2):198-204.
15 – Aubier M, Murciano D, Lecocguic Y, et al. Effect of hypophosphatemia on diaphragmatic contractility in patients with acute respiratory failure. N Engl J Med. 1985;313(7):420-424.
16 – Compher C, Bingham AL, McCall M, Patel J, Rice TW, Braunschweig C, McKeever L. Guidelines for the provision of nutrition support therapy in the adult critically ill patient: The American Society for Parenteral and Enteral Nutrition. JPEN J Parenter Enteral Nutr. 2022 Jan;46(1):12-41. doi: 10.1002/jpen.2267. Epub 2022 Jan 3. Erratum in: JPEN J Parenter Enteral Nutr. 2022 Aug;46(6):1458-1459. doi: 10.1002/jpen.2419. PMID: 34784064.

