As melhores práticas para introdução da nutrição parenteral na doença inflamatória intestinal
O uso da nutrição parenteral no manejo da doença inflamatória intestinal, sobretudo em pacientes encarando episódios de falência intestinal aguda e/ou crônica1, desempenha um papel essencial na manutenção do estado nutricional. Por isso, os profissionais envolvidos nesse quadro devem ter ciência das abordagens adequadas frente a tais circunstâncias.
Dessa forma, vamos repassar algumas das recomendações apresentadas nas atualizações da Associação Americana de Gastroenterologia (ou AGA, na sigla em inglês), publicadas em 2024. Tais orientações foram elaboradas a partir do trabalho de especialistas, que revisaram as evidências disponíveis na literatura sobre o tema.
Acompanhamento do estado nutricional dos pacientes com doença inflamatória intestinal crônica
A desnutrição e outras formas de déficits nutricionais são comuns na doença inflamatória intestinal. Tais complicações são frequentes especialmente entre pacientes com doença de Crohn e entre aqueles que passaram por múltiplas cirurgias1.
Seja como for, deficiências no estado nutricional estão associadas a uma evolução pior desses quadros, incluindo nisso2-6:
- Maior número de atendimentos de emergência;
- Maior frequência e duração das hospitalizações;
- Maior necessidade de cirurgias não eletivas;
- Maior mortalidade;
- Redução na resposta às terapias;
- Pior qualidade de vida.
Portanto, todos os pacientes nessas circunstâncias necessitam de triagem para desnutrição e avaliações regulares de indicadores relativos à perda de peso não intencional, edemas, retenção de fluidos e perda de gordura e massa muscular1.
Por consequência, identificando um risco nutricional, é indicada uma avaliação completa feita por um nutricionista1. Entretanto, a mensuração de proteínas séricas não é mais recomendada devido à falta de especificidade para avaliação do estado nutricional e alta sensibilidade à resposta inflamatória, que pode mascarar resultados1.
O uso da nutrição parenteral na doença inflamatória intestinal
Em muitos contextos, a adoção de uma dieta oral que priorize o padrão alimentar adotado nos países do Mediterrâneo (com uma variedade de frutas e vegetais frescos, gorduras monoinsaturadas, carboidratos complexos e proteínas magras) pode ser suficiente para o manejo da doença inflamatória intestinal crônica1.
Adicionalmente, a nutrição enteral pode ser importante em pacientes desnutridos antes de cirurgias ou no período de remissão clínica, principalmente em indivíduos com doença de Crohn1. Por fim, a nutrição parenteral costuma ser prescrita quando1:
- Existe um abscesso intra-abdominal e/ou inflamação purulenta que limita a capacidade de alcançar a nutrição ideal através do trato digestivo. Nesses casos, a nutrição parenteral de curto prazo pode prover repouso intestinal, inclusive antes de cirurgias.
- Há fístula gastrointestinal de alto débito, íleo prolongado, síndrome do intestino curto ou desnutrição grave, em especial nos casos em que a nutrição via oral e enteral falhou ou é contraindicada.
Diante disso, exemplos clássicos em que a introdução da nutrição parenteral é exigida são fístulas com débito >500 mL/24 h, estomas com débito de >500 mL/24 h ou incapacidade de manter, pelo menos, 60% das metas de energia e proteína por meio de nutrição oral ou enteral por períodos de sete a dez dias1.
Ao mesmo tempo, em pacientes com síndrome do intestino curto, a nutrição parenteral deve ser escalonada para o manejo da hidratação e ingestão via oral assim que possível1. Tal abordagem reduz o risco de complicação, principalmente quando em uso de terapia nutricional parenteral de longo prazo1.
Veja também: A nutrição parenteral no pré-operatório faz sentido?
A importância e os cuidados necessários com o suporte nutricional
Considerar o emprego da nutrição parenteral na doença inflamatória intestinal é ficar atento aos controles para evitar que complicações desse quadro possam tornar mais difícil alcançar o estado nutricional adequado1.
A nutrição parenteral se faz necessária, em muitas situações, pois a alimentação por outras vias em um intestino já danificado pode piorar ainda mais o quadro clínico dos sintomas e as patologias subjacentes1. No mais, isso limita a capacidade de atingir metas nutricionais necessárias através do trato digestivo1.
A partir disso, essa forma de suporte nutricional, além de corrigir deficiência nutricional, permite também que o intestino lesionado “descanse”, diminuindo a contaminação microbiana do tecido comprometido e, em última análise, melhorando os resultados de eventuais procedimentos cirúrgicos7,8.
Por outro lado, quando for possível, a nutrição enteral deve ser preferida em relação à nutrição parenteral, já que há benefícios associados à manutenção da integridade e da função intestinal. Por fim, isso ajuda a fornecer nutrientes vitais para a microbiota, o que pode reduzir o número de complicações infecciosas9,10.
Vale sempre lembrar que ambas as formas de suporte nutricional são intervenções complexas. Logo, elas dependem da supervisão de um nutricionista e de uma equipe multidisciplinar para determinar a melhor conduta tendo como referência1:
- Seleção da melhor via de suporte nutricional para a condição intestinal do momento;
- Prescrição das necessidades adequadas de energia, proteínas e micronutrientes;
- Monitoramento de pacientes durante todo tratamento;
- Ajuste da prescrição nutricional, quando necessário;
- Educação do paciente sobre administração segura da nutrição enteral ou parenteral;
- Orientação dos pacientes e seus cuidadores sobre a transição apropriada para uma ingestão oral regular.
Com isso, é possível garantir o benefício comprovado e necessário da introdução da nutrição parenteral na doença inflamatória intestinal, visando, inclusive, a manutenção da qualidade de vida dos pacientes nessa condição.
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Referências:
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