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O papel do ômega-3 na nutrição parenteral na cirurgia hepática

A nutrição parenteral na cirurgia hepática pode ter um papel relevante na manutenção e melhora do estado nutricional desses pacientes, inclusive após o procedimento, principalmente quando se leva em conta que a via enteral não está disponível por conta do processo de recuperação da função intestinal no pós-operatório imediato1.

No entanto, a introdução da nutrição parenteral deve ser  acompanhada de perto por profissionais especializados em terapia nutricional, considerando que pode ampliar o risco de complicações hepáticas e da resposta inflamatória1. Entre algumas das adversidades mais comuns estão a colestase, a esteatose e a fibrose2. Além disso, a elevação do estado inflamatório do organismo também pode ser uma preocupação2.

Por isso, várias fórmulas de nutrição parenteral utilizam o ômega-3 como parte da emulsão lipídica para prover energia e ácidos graxos essenciais aos pacientes, além de contribuir como nutriente imunomodulador e com efeitos anti-inflamatórios que merecem ser observados de perto3-5.

 

O risco de complicações hepáticas em paciente recebendo nutrição parenteral

Complicações como a doença hepática associada à insuficiência intestinal são relativamente comuns em pacientes que recebem nutrição parenteral por mais de duas semanas6..

Nesse cenário, a literatura sobre o assunto mostra que, dentre outros pontos, a composição das emulsões lipídicas da nutrição parenteral de escolha pode ser um fator de risco para tal evolução indesejada7.

Em geral, é possível apontar que um maior teor de ácidos graxos ômega-6 em comparação ao ômega-3 e um alto teor de fitosteróis (típicos do óleo de soja e óleo de cártamo) podem causar  colestase e desfechos como prejuízo ao fluxo biliar e formação de cálculos biliares8.

Diante disso, formulações de emulsões lipídicas ricas em ácidos graxos com ômega-3 (isto é, à base de óleo de peixe) demonstraram ser capazes de minimizar o risco do desenvolvimento ou reverter a doença hepática associada à falência intestinal, especialmente colestase7.

Interessante observar que formulações à base de óleo de peixe também têm sido associadas a outros benefícios quando administradas como parte da emulsão lipídica da nutrição parenteral. Isso inclui a redução da mortalidade a curto prazo e diminuição da necessidade de transplante do órgão em questão9.

Logo, a modificação da composição da formulação lipídica para promover o aumento da proporção de ômega-3 em relação ao ômega-6 pode ser alcançada por meio do uso de emulsões lipídicas mistas10,11. Tal escolha tem sido associada também ao aumento da imunidade, diminuição da inflamação e redução do dano hepático10,11.

Outros fatores envolvidos nesse tipo de lesão hepática envolvem sobrecarga calórica, deficiências de determinados nutrientes e exposição a elementos hepatotóxicos7.

 

As evidências sobre o uso do ômega-3 na nutrição parenteral

A partir disso, para entender melhor a amplitude dos benefícios do ômega-3 na nutrição parenteral na cirurgia hepática, um grupo de autores reuniu as evidências sobre o tema em uma revisão sistemática1.

Ela foi publicada em abril de 2023. Seu principal mérito foi incluir na análise oito ensaios clínicos randomizados que traziam a avaliação de uma série de desfechos envolvidos com a função hepática e a presença de determinados marcadores inflamatórios. Entre os indicadores analisados estavam1:

  • Alanina aminotransferase e aspartato aminotransferase;
  • Albumina;
  • Contagem de glóbulos brancos;
  • Bilirrubina total;
  • Mortalidade;
  • Tempo de permanência no hospital;
  • Complicações associadas à infecção;
  • TNF-α;
  • IL-2;
  • IgA, IgG e IgM;

No fim, os dados dos oito ensaios clínicos envolveram 748 pacientes (divididos entre grupos que receberam ômega 3 e grupos controle)1.

Foi possível concluir que o uso do ômega-3 em pacientes sob cirurgia hepática se mostrou benéfico em relação à melhora de índices clínicos, diminuição de marcadores inflamatórios e melhora da função hepática1. Houve ganhos clínicos também (como menos infecções e redução de tempo de internação).

Em resumo, a melhora da função hepática pode ser atribuída ao efeito anti-inflamatório do ômega-3. Com isso, há ainda redução no dano celular ao fígado que é desencadeado pela resposta inflamatória exacerbada1.

Saiba mais: O que a BRASPEN diz sobre o uso clínico de ômega 3 via parenteral?

 

As limitações do estudo e as perspectivas sobre o tema

No entanto, a melhor compreensão do mecanismo do efeito do ômega-3 em outras condições associadas depende de novos estudos1.

De todo modo, esses resultados reforçam o papel anti inflamatório de emulsões lipídicas com óleo de peixe, bem como uma fonte de energia lipídica na nutrição parenteral em pacientes sob cirurgia hepática, características positivas que merecem a devida atenção dos profissionais envolvidos no manejo desses pacientes.

Aproveite agora para saber mais sobre a utilização das diferentes formulações de emulsões lipídicas parenterais.

 

 

Referências

  1. He ZW, Zhang L, Wang P, Luo HM, Chen Q, Li B, et al. Does inclusion of bioactive n-3 PUFAs in parenteral nutrition benefit postoperative patients undergoing liver surgery? A systematic review and meta-analysis of randomised control trials. BMJ Open. 2023;13(9). Disponível em: <https://bmjopen.bmj.com/content/13/9/e066171> Acesso em 03 de setembro de 2024.
  2. Carter BA, Shulman RJ. Mechanisms of disease: update on the molecular etiology and fundamentals of parenteral nutrition associated cholestasis. Nat Clin Pract Gastroenterol Hepatol. 2007;4:277-87. Disponível em: <https://www.nature.com/articles/ncpgasthep0796> Acesso em 1º de agosto de 2024.
  3. Wanten GJA, Calder PC. Immune modulation by parenteral lipid emulsions. Am J Clin Nutr. 2007;85:1171-84. Disponível em: <https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0002916523280521?via%3Dihub> Acesso em 03 de setembro de 2024.
  4. Waitzberg DL, Torrinhas RS. Fish oil lipid emulsions and immune response: what clinicians need to know. Nutr Clin Pract. 2009;24:487-99. Disponível em: <https://aspenjournals.onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1177/0884533609339071> Acesso em 1º de agosto de 2024.
  5. Innes JK, Calder PC. Omega-6 fatty acids and inflammation. Prostaglandins Leukot Essent Fatty Acids. 2018;132:41-8. Disponível em: <https://www.plefa.com/article/S0952-3278(18)30074-7/abstract> Acesso em 1º de agosto de 2024.
  6. Lee WS, Chew KS, Ng RT, Kasmi KE, Sokol RJ. Intestinal failure-associated liver disease (IFALD): Insights into pathogenesis and advances in management. Hepatol Int. 2020;14:305-16. Disponível em: <https://link.springer.com/article/10.1007/s12072-020-10048-8> Acesso em 1º de agosto de 2024.
  7. Mihajlovic M, Kolar NM, Djordjevic J, Nikolic DM, Stankovic M, Petrović MD, et al. Parenteral nutrition-associated liver injury: clinical relevance and mechanistic insights. Toxicol Sci. 2024;199(1):1-11. Disponível em: <https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/38383052/> Acesso em 03 de setembro de 2024.
  8. Zaloga GP. Phytosterols, lipid administration, and liver disease during parenteral nutrition. J Parenter Enteral Nutr. 2015;39(1 Suppl):39S-60S. Disponível em: <https://aspenjournals.onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1177/0148607115595978> Acesso em 1º de agosto de 2024.
  9. Puder M, Valim C, Meisel JA, Le HD, de Meijer VE, Robinson EM, et al. Parenteral fish oil improves outcomes in patients with parenteral nutrition-associated liver injury. Ann Surg. 2009;250:395-402. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3366279/> Acesso em 03 de setembro de 2024.
  10. DiNicolantonio JJ, O’Keefe JH. Importance of maintaining a low omega-6/omega-3 ratio for reducing inflammation. Open Heart. 2018;5 Disponível em: <https://openheart.bmj.com/content/5/2/e000946.long> Acesso em 03 de setembro de 2024.
  11. Guthrie G, Burrin D. Impact of parenteral lipid emulsion components on cholestatic liver disease in neonates. Nutrients. 2021;13:508 Disponível em: <https://www.mdpi.com/2072-6643/13/2/508> Acesso em 03 de setembro de 2024.

 

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