Nutrição parenteral em adultos: quais são as recomendações de macronutrientes?
Na nutrição parenteral existe um conceito chamado de “poder de três”. Ele se refere aos efeitos benéficos de criar uma dieta que combine todos os macronutrientes: proteínas, carboidratos e lipídios. Essa associação tem o potencial de gerar melhores resultados no estado clínico dos pacientes que recebem a nutrição endovenosa1.
Conheça seis vantagens da combinação dos três macronutrientes na nutrição parenteral:
- Evitar hiperglicemia;
- Reduzir o estresse respiratório e metabólico4;
- Garantir o fornecimento de ácidos graxos essenciais e aminoácidos essenciaismacronutrientes. Carboidratos, gorduras e proteínas em comparação5;
- Reduzir o risco para hipofosfatemia (baixa concentração plasmática de fosfato, que pode levar a complicações) 6;
- Facilitar a infusão periférica devido à baixa osmolaridade7;
- Transmitir efeito favorável sobre a função das células do fígado e integridade com nova geração de emulsões lipídicas8,9.
Dentre os macronutrientes, muitas vezes a categoria que mais recebe atenção é a de proteínas. Isso porque o adoecimento e a internação hospitalar são riscos importantes para a desnutrição, que pode provocar perda de massa muscular, agravando o estado geral de saúde do paciente2.
Entretanto, a reposição de proteínas não costuma ser feita de forma isolada. Para pacientes saudáveis, os carboidratos são as principais fontes de energia, e equivalem de 50% a 60% do valor energético total da dieta segundo as Recomendações Nutricionais para Adultos em Terapia Nutricional Enteral e Parenteral. Já os lipídios respondem por 20% a 35%, e as proteínas equivalem a uma fatia entre 10% e 15%3.
Essas proporções podem ser modificadas de acordo com o quadro de cada paciente. Além disso, um tratamento com nutrição parenteral completo deve incluir a adição de micronutrientes3.
Conheça o papel de cada macronutriente na nutrição parenteral.
Proteínas
As proteínas são formadas por longas cadeias de aminoácidos. Se na alimentação oral ingerimos as proteínas íntegras para que sejam digeridas no trato gastrointestinal, na alimentação parenteral elas são fornecidas sob a forma de aminoácidos livres ou de dipeptídeos (junção de dois aminoácidos).
Um fornecimento adequado de proteína é essencial para manter a integridade e a função celular. Veja algumas das funções que esse macronutriente exerce no organismo:
- Componente estrutural e funcional de todos os tecidos corporais;
- Exigido para todos os processos essenciais do corpo, tais como equilíbrio da água, nutrientes e transporte de oxigênio (hemoglobina, transferrina, albumina sérica);
- Fonte de energia (4 kcal/g);
- Produção de glicose (aminoácidos glicogênicos) e gordura (aminoácidos cetogênicos).
Alguns aminoácidos são especialmente importantes quando há presença de determinadas situações:
- Cisteína – Em casos de doença hepática;
- Glutamina – Quando há infecção, inflamação e outros tipos de estresse catabólico, desnutrição;
- Taurina – Estresse catabólico e uremia;
- Tirosina – Insuficiência renal crônica.
Em muitas doenças agudas e crônicas associadas ao estresse catabólico, a degradação de proteína corporal é acelerada para fornecer aminoácidos e para cobrir as necessidades de gliconeogênese, síntese de proteínas de fase aguda, cicatrização de feridas e fornecimento de glutamina10.
Leia também: Glutamina parenteral: quando usar?
Carboidratos
No corpo humano, a glicose é a principal fonte de energia em circulação. Não é à toa que ela é, também, um componente chave da nutrição parenteral. Na realidade, a glicose representa a única fonte de carboidratos nesse tipo de dieta, pois frutose, sorbitol e xilitol produzem efeitos colaterais negativos.
Veja a importância da função metabólica da glicose:
- É o principal combustível para todas as células do corpo humano;
- Células vermelhas do sangue e células tubulares dependem de glicose para a produção de energia;
- Fonte de energia preferida do cérebro;
- Armazenada como glicogênio no fígado e músculo esquelético11.
As reservas hepáticas de glicogênio são suficientes para atender às necessidades de glicose por até 24 horas de jejum e as reservas estocadas no músculo são utilizadas no próprio local para fornecimento de energia na contração muscular.
Após o esgotamento, a glicose é sintetizada endogenamente, principalmente, a partir de aminoácidos através da gluconeogênese hepática. Porém, a capacidade máxima de produção de glicose hepática, que normalmente é de 3,6 g/kg a 4,3g/kg de peso corporal/dia em adultos saudáveis, pode ser aumentada durante doenças agudas.
Portanto, o fornecimento adequado de glicose é fundamental para evitar o desperdício de aminoácidos como substrato para a gliconeogênese e, assim, preservar a proteína corporal e a massa muscular10.
Excesso de glicose
Assim como a escassez é prejudicial, o excesso de glicose é perigoso, uma vez que a capacidade máxima de oxidação desse nutriente no organismo é limitada.
O excesso de glicose é convertido em ácidos graxos e armazenado no tecido adiposo ou no fígado. Além disso, a oxidação da glicose está associada a uma produção elevada de gás carbônico, que resulta em estresse respiratório. Esse quadro pode ser particularmente prejudicial em pacientes com disfunção respiratória obstrutiva e restritiva11,12.
Também é importante saber que, durante doenças críticas e traumas, é comum ocorrer hiperglicemia induzida por estresse. Durante o estresse metabólico, hormônios, citocinas (importantes nas funções reguladoras) e sinais neurológicos aumentam a produção de glicose hepática e provocam resistência à insulina periférica. Consequentemente, o excesso de administração de glicose pode ser prejudicial nessas situações, promovendo a hiperglicemia e o aumento de morbidade e mortalidade13.
Lipídios
Com uma densidade energética de aproximadamente 9 kcal/g, os lipídios são substratos energéticos importantes e a principal forma de armazenamento de energia no corpo humano.
Em todo o mundo, o óleo de soja tem sido tradicionalmente utilizado como uma importante fonte lipídica em nutrição parenteral. Hoje, há também alternativas mais modernas e balanceadas contendo óleo de oliva, triglicerídeos de cadeia média e óleo de peixe1.
Essa categoria de nutrientes possui diversas propriedades funcionais e metabólicas. Vale destacar, entre outras12-19:
- Diminuição da osmolaridade (concentração osmótica ou de soluto) de misturas da nutrição parenteral, especialmente para infusões periféricas;
- Importante fonte de energia em pacientes com restrição de líquidos que toleram pequenos volumes de nutrição parenteral;
- Veículo para atender às necessidades de energia dos pacientes sem a carga metabólica imposta pela infusão de glicose de alto nível em situações de desconforto respiratório e insensibilidade à insulina.
Em pacientes que recebem lipídios parenterais, as concentrações séricas (concentração no sangue) de triglicerídeos devem ser monitoradas regularmente e, se necessário, as taxas de infusão ajustadas para evitar hipertrigliceridemia (risco de pancreatite aguda) e síndrome de sobrecarga lipídica.
Por que o equilíbrio entre nutrientes é importante?
Quando as necessidades de energia do corpo humano não são supridas, o organismo utiliza reservas, como o tecido muscular, o que aumenta o risco
da desnutrição. Por outro lado, o excesso de aporte de nutrientes pode sobrecarregar órgãos e sistemas, sendo, também, prejudicial ao organismo3.
Dessa forma, a terapia nutricional deve suprir as necessidades de macro e de micronutrientes de um indivíduo. Esse é um trabalho especializado e que demanda acompanhamento constante. A necessidade de nutrientes de um indivíduo varia de acordo com seu estado nutricional, idade, gênero, peso, estatura, atividade física, composição corporal e condição fisiológica2,3.
Referências
-
Waitzberg, D. L. et al. Parenteral lipid emulsions and phagocytic systems. Br J Nutr. 2002; 87 Suppl 1:49-57. Disponível em: https://core.ac.uk/download/pdf/85216986.pdf. Acesso em: 30 jul. 2021.
-
PARRA, B. F. C. S. et al. SARCPRO: Proposta de protocolo para sarcopenia em pacientes internados. BRASPEN J. 2019; 34 (1): 58-63. Disponível em: http://arquivos.braspen.org/journal/jan-fev-mar-2019/artigos/7-AO-SARCPRO.pdf. Acesso em: 24 jun. 2021.
-
Recomendações Nutricionais para Adultos em Terapia Nutricional Enteral e Parenteral. Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral; Sociedade Brasileira de Clínica Médica; Associação Brasileira de Nutrologia. 2011. Disponível em: https://diretrizes.amb.org.br/_BibliotecaAntiga/recomendacoes_nutricionais_de_adultos_em_terapia_nutricional_enteral_e_parenteral.pdf. Acesso em: 24 jun. 2021.
-
ROULET, M. et al. A controlled trial of the effect of parenteral nutritional support on patients with respiratory failure and sepsis. Clin Nutr. 1983;2:97-105.
-
Carpentier, Y.; Sobotka, L. Lipids. In:Sobotka L, editor. Basics in Clinical Nutrition. Prague: Galen, 2011: 257-262
-
Tovey, S. J.; Benton, K. G.; Lee, H. A. Hypophosphataemia and phosphorus requirements during intravenous nutrition. Postgrad Med. 1977;53:289-297.
-
Pineault, M. et al. Beneficial effect of coinfusing a lipid emulsion on venous patency. JPEN. 1989;13:647-640.
-
PIPER, S. N. et al. Hepatocellular integrity after parenteral nutrition: comparison of a ish-oilcontaining lipid emulsion with an olive-soybean oil-based lipid emulsion. Eur J Anaesthesiol. 2009;26:1076-1082.
-
ANTEBI, H. et al. Liver function and plasma antioxidant status in intensive care unit patients requiring total parenteral nutrition: comparison of 2 fat emulsions. JPEN J Parenter Enteral Nutr. 2004;28:142-148.
-
BOLDER, U. et al. Carbohydrates – guidelines on parenteral nutrition, chapter 5. Ger Med Sci. 2009;7:Doc23.
-
Carpentier, Y., Sobotka, L.; Soeters, P. Carbohydrates. In: Sobotka L, editor. Basics in Clinical Nutrition. Galen: 2011:252-257.
-
Askanazi, J. et al. Nutrition for the patient with respiratory failure: glucose vs. fat. Anesthesiology. 1981;54:373-377.
-
McCowen, K.C., Malhotra, A., Bistrian, B. R. Stress-induced hyperglycemia. Crit Care Clin. 2001;17:107-124.
-
Koletzko, B. et al. Guidelines on Paediatric Parenteral Nutrition of the European Society of Paediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition (ESPGHAN) and the European Society for Clinical Nutrition and Metabolism (ESPEN), Supported by the European Society of Paediatric Research (ESPR). J.Pediatr. Gastroenterol.Nutr. 2005;41 Suppl 2:1-87
-
Adolph, M. et al. Lipid emulsions – guidelines on parenteral nutrition, chapter 6. Ger Med Sci.2009;7:Doc22.
-
Carpentier, Y; Sobotka, L. Lipids. In:Sobotka L, editor. Basics in Clinical Nutrition. Prague: Galen, 2011: 257-262.
-
GRIMBLE, R. F. Fatty acid proile of modern lipid emulsions: Scientiic considerations for creating the ideal composition. Clinical Nutrition Supplements.2005;1:9-15.
-
Wanten, G. J., Calder, P. C. Immune modulation by parenteral lipid emulsions. Am J Clin Nutr. 2007;85:1171-1184.
-
Elmadfa, I., Kornsteiner, M. Fats and fatty acid requirements for adults. Ann Nutr Metab. 2009;55:56-75.