Hipofosfatemia e nutrição parenteral: o que é essa possível complicação e como evitar?
O paciente em estado grave está exposto ao risco de uma série de distúrbios metabólicos e de eletrólitos, que se não controlados podem gerar complicações, inclusive associado ao uso de terapia nutricional. Exemplo disso está na relação entre hipofosfatemia e nutrição parenteral.
Assim, é essencial ter ciência dos riscos e características das complicações geradas pela hipofosfatemia. A partir disso, é possível conhecer condutas para evitar a deficiência de fósforo e atuar para reverter tal condição.
Afinal, o que é a hipofosfatemia?
A hipofosfatemia é caracterizada por níveis, abaixo do ideal, da concentração de fósforo sérico1,2. Portanto, um quadro de hipofosfatemia é identificado quando o fósforo sérico for menor que 2.5 miligramas por decilitro (mg/dL) de sangue1,2. Considerando, o papel essencial desse micronutriente em diversas funções metabólicas e celulares, tal redução traz impactos significativos para a saúde do paciente1.
Em pessoas que adotam dietas convencionais, a deficiência de fósforo é rara. Esse micronutriente está amplamente disponível em diversos alimentos, como carne vermelha, peixes, laticínios, nozes e soja3. Assim, o distúrbio eletrolítico na concentração de fósforo pode ser consequência de uma série de quadros clínicos. Entre os mais comuns estão2:
- recuperação de cetoacidose diabética;
- abuso regular de álcool;
- queimaduras graves;
- alcalose respiratória grave;
- realimentação após longo período de desnutrição;
- introdução de nutrição parenteral.
A prevalência da hipofosfatemia é variada e se altera de acordo com a condição de base do paciente, com incidência que varia entre 5% e 80% dos pacientes1. Em geral, tal problema é assintomático sendo diagnosticado em achados acidentais de exames laboratoriais1. Entretanto, quadros graves contam com manifestações clínicas, ainda que inespecíficas.
Qual a relação entre hipofosfatemia e nutrição parenteral?
Além de uma série de condições clínicas, a hipofosfatemia pode estar relacionada também à introdução da nutrição parenteral. A presença deste distúrbio está fortemente relacionada à chamada síndrome de realimentação, que geralmente se manifesta nas primeiras 72 horas após o início da intervenção nutricional4 -8.
A síndrome de realimentação atinge pacientes que recebem terapia nutricional após desnutrição prolongada ou catabolismo acentuado10-12. A partir do momento em que o corpo não recebe aporte nutricional adequado, o organismo deixa de oxidar glicose para gerar energia e passa a metabolizar ácidos graxos e proteínas, concentradas nos músculos. Quando a alimentação é fornecida novamente, os níveis de glicose voltam ao normal3,9.
A partir disso, a secreção da insulina também retorna e há aumento da demanda celular por elementos como o fósforo, o magnésio e o cálcio devido a uma série de processos celulares anabólicos. No caso do fósforo, ele se combina com o oxigênio na forma de fosfato e desempenha papel essencial para síntese celular de adenosina trifosfato (ATP). Diante desse cenário, há deslocamento intenso dos micronutrientes disponíveis para o interior das células. Logo, o nível sérico do fósforo, e outros eletrólitos, tende a cair, levando à hipofosfatemia3.10.
Quando estão presentes apenas os desequilíbrios eletrolíticos, a síndrome de realimentação é caracterizada como iminente. A partir do momento em que há manifestações clínicas, ela recebe o nome de “síndrome de realimentação manifesta”11. Não há exame específico para o diagnóstico dessa condição, então a avaliação cuidadosa de toda suspeita é indispensável. Os sintomas mais comuns são inespecíficos e incluem edemas, taquicardia e taquipneia10- 13. Em média, esta condição atinge entre 14% e 28% dos pacientes clinicamente graves, após início da dieta11.
Quais os sintomas da hipofosfatemia grave?
Diante da deficiência grave de fósforo, os sintomas e desdobramentos mais comuns são10:
- comprometimento da função neuromuscular (parestesias);
- confusão mental;
- convulsões;
- coma;
- cãibras e fraqueza muscular;
- hipoventilação e, eventualmente, insuficiência respiratória aguda;
- rabdomiólise;
- trombocitopenia;
- coagulopatia;
- disfunção leucocitária e eritrocítica.
O diagnóstico da hipofosfatemia é feito pela mensuração laboratorial do fósforo sérico. Sem intervenção adequada, a síndrome de realimentação e a hipofosfatemia levam à morte10.
Leia também: qual a importância dos micronutrientes na nutrição parenteral?
Como a hipofosfatemia pode ser evitada e o que fazer quando ela já se instalou?
Antes da introdução da terapia nutricional, todo paciente grave deve passar por dosagem de eletrólitos. A reposição de fósforo, magnésio e cálcio e outros eletrólitos é recomendada mesmo se o nível sérico constatado for normal ou pouco abaixo do limite inferior de referência10,11.
Além disso, a oferta calórica a pacientes desnutridos deve ser pequena nos primeiros dias, logo que a terapia nutricional é iniciada. Deve-se sempre priorizar uma progressão gradual, em períodos que variam entre 5 e 10 dias até se atingir a meta estabelecida11. No mais, é essencial reforçar o monitoramento nas primeiras 72 horas após a introdução da nutrição parenteral9,11.
Se identificada a presença da síndrome, é essencial agir para lidar com a condição de base, bem como contornar a deficiência por meio de suplementação apropriada, como vimos anteriormente. Dessa forma, os profissionais de saúde responsáveis pelo acompanhamento precisam manter-se atentos diante da relação entre hipofosfatemia e nutrição parenteral.
Para saber mais, veja a importância dos micronutrientes na nutrição parenteral.
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