Glicemia na nutrição parenteral: orientações para o manejo adequado durante a terapia
O controle da glicemia na nutrição parenteral é um componente importante do monitoramento adequado da terapia, garantindo assim a sua efetividade e segurança. Complicações como a hipo e a hiperglicemia podem ser complexas e causadas pela associação de múltiplos fatores1.
Portanto, o cuidado necessário para evitar esse descontrole glicêmico vai desde entender as necessidades de carboidratos demandadas por cada paciente até avaliar qual a melhor forma de manejo desses possíveis desequilíbrios1.
A glicose na composição da fórmula de nutrição parenteral
Como referência, carboidratos costumam ser responsáveis pelo aporte de 40% a 60% da energia em dietas ocidentais2. Desse modo, atualmente a glicose (ou dextrose) acaba sendo a forma mais comum de oferta de carboidratos na nutrição parenteral1,3,4.
Assim sendo, é preciso levar em conta também como a concentração desse componente pode influenciar na estabilidade e na compatibilidade das fórmulas, inclusive considerando a administração conjunta de outros nutrientes e o uso de medicamentos3.
Outro ponto importante, é o efeito que a concentração de glicose apresenta na osmolaridade da fórmula de nutrição parenteral a ser administrada2. Cabe lembrar que a osmolaridade é um aspecto importante na tolerância e na redução de complicações associadas ao procedimento.
As indicações e os riscos da administração em excesso da glicose
Para determinar a quantidade necessária de carboidrato na fórmula de nutrição parenteral é preciso levar em conta fatores como2:
- O equilíbrio entre as necessidades energéticas e os riscos de uma oferta excessiva dessa fonte de energia (o que chamamos de overfeeding);
- A fase da doença em que o paciente se encontra (fase aguda, estável ou em recuperação);
- A oferta dos demais macronutrientes pela nutrição parenteral;
- A presença de fontes de glicose além da nutrição parenteral (como aquele proveniente de determinadas medicações e que muitas vezes são esquecidas e não contabilizadas no total ofertado ao paciente).
Determinadas diretrizes consideram que a velocidade de infusão de glicose ou carboidratos em pacientes sob cuidado em unidade de terapia intensiva não deve superar os 5 mg/kg/minuto5. (valor médio considerado para indivíduo adulto). No contexto pediátrico, é preciso avaliar a oferta considerando a condição do recém-nascido e os dias após o nascimento, bem como o peso e a fase da doença para bebês e crianças1.
Tal aporte também deve considerar, por exemplo, situações de pacientes críticos cirúrgicos ou traumáticos, em que a produção endógena de glicose aumenta, levando à hiperglicemia. Isso acontece provavelmente por uma condição de resistência hepática à insulina5. A normoglicemia pode ser alcançada com o uso de insulina, mas o consumo de glicose periférica não é estimulado, como aconteceria em indivíduos saudáveis7.
No mais, pacientes em condições graves podem ser mais propensos a episódios de resistência à insulina, o que também favorece a chance de desenvolver hiperglicemia6.
Seja como for, o excesso de glicose na nutrição parenteral traz uma série de consequências negativas para o paciente. Além da hiperglicemia, o excesso de aporte de energia pode levar lipogênese, elevada produção de CO2 e nenhuma vantagem quando se considera a demanda de proteínas pelo organismo8.
O manejo de complicações associadas ao descontrole da glicemia na nutrição parenteral
Diante desses riscos, não basta garantir o aporte adequado de glicose. É preciso também fazer o monitoramento apropriado da glicemia do paciente recebendo a nutrição parenteral, conforme já mencionado.
A partir disso, as evidências disponíveis indicam que o patamar adequado do índice glicêmico deve se manter entre 140 e 180 mg/dl1. Tal índice garantiria desfechos clínicos positivos, incluindo redução de episódios de hipoglicemia (que embora não tão comum, também podem afetar pacientes nessas condições) comparado a parâmetros mais conservadores (entre 80 e 110 mg/dl, por exemplo)1,7.
Normalmente, um acompanhamento da glicemia capilar a cada quatro ou seis horas costuma ser o suficiente1. Em pacientes críticos, esse acompanhamento deve se dar inicialmente após a internação na UTI admissão ou depois da introdução da nutrição artificial e em pelo menos a cada 4 horas, durante os primeiros dois dias, em geral5.Independentemente desse intervalo de monitoramento, é essencial que picos de glicemia sejam controlados. O uso da insulina (de preferência, via infusão) costuma ser indicado, na maioria dos casos, quando a glicemia ultrapassa 180 mg/dl em adultos em UTI6.
A hipoglicemia, por sua vez, pode atingir pacientes submetidos a regimes mais intensos de administração de insulina1. Episódios constantes e significativos dessa alteração estão associados a uma maior mortalidade9. Isso reforça a necessidade de monitorar os níveis de glicemia quando em uso de nutrição parenteral1. Protocolos de administração de glicose via intravenosa ou intramuscular devem ser considerados para contornar esses casos e evitar possíveis complicações2.
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Referências
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