Nutrição parenteral e glutamina: o que não pode ser ignorado no paciente cirúrgico?
Compreender a relação entre nutrição parenteral e glutamina da forma correta pode fazer toda a diferença no manejo de pacientes cirúrgicos. Há uma série de possíveis benefícios demonstrados em diferentes desfechos com o uso do aminoácido para esse grupo de pacientes.
Por isso, vale repassar o que não pode ser ignorado na hora de avaliar a necessidade de suplementação desse aminoácido condicionalmente essencial. Entre outras funções, ele contribui para o balanço positivo de nitrogênio, amplia a síntese de proteínas musculares e ajuda a conter a perda proteica1.
Quais são algumas das recomendações de suplementação de glutamina no paciente cirúrgico?
Já se sabe que a nutrição parenteral, quando adequadamente indicada, pode ser extremamente importante para prover os nutrientes e a energia necessários em pacientes cirúrgicos, reduzindo o risco de uma série de complicações. Tal constatação é relevante principalmente quando se leva em conta aumento da massa muscular, recuperação no pós-operatório mais ágil, melhora na função imune e redução no número de infecções2.
Atualmente, as diretrizes da Espen (European Society for Clinical Nutrition and Metabolism) no cuidado com pacientes submetidos à cirurgias sugerem que a suplementação de glutamina pode ser indicada para aqueles que não se alimentam por via oral e que, por isso, requerem nutrição via parenteral de forma exclusiva3,4. A maioria dos ensaios sobre o assunto trabalha com uma dose de 0,35 g/kg por dia3 ou 0,5 g/kg/dia4.
Essa variação pode ser identificada em função de diversos estudos que vêm trabalhando o uso da nutrição parenteral com glutamina em pacientes cirúrgicos.
Autores de um estudo publicado em 2017 mostraram que pacientes com câncer gástrico avançado toleraram a nutrição parenteral enriquecida com glutamina na dose de 0,4 g/kg/dia5. Tal aporte parece efetivamente proteger a função de barreira da mucosa intestinal e melhorar o nível de MMP-2 e MMP-9 (marcadores associados à doença) durante a quimioterapia perioperatória5.
Veja também: Qual o efeito de uma oferta mais alta de proteína em pacientes com risco nutricional elevado?
Que outras evidências sustentam os benefícios da glutamina na nutrição parenteral?
Uma revisão sistemática sobre o papel da glutamina na nutrição parenteral, também publicada em 2017, demonstrou como esse aminoácido pode ter papel importante para pacientes críticos submetidos a grandes cirurgias.
Pacientes graves que receberam aportes entre 0,3 e 0,5 g/kg/dia de glutamina via parenteral como parte de um regime nutricional equilibrado apresentaram melhoria em indicadores como mortalidade, tempo de permanência em UTI e ambiente hospitalar e complicações decorrentes de infecções6.
Ao todo, foram reunidos os dados de 15 estudos clínicos randomizados controlados, com 842 pacientes. Além dos desfechos melhores do ponto de vista clínico, os autores mencionam que foi possível notar benefícios econômicos no uso da glutamina (graças a um menor tempo de UTI, de hospitalização e de infecções)6.
A introdução da glutamina na nutrição parenteral parece ainda prover benefícios na manutenção da imunidade e da função da barreira intestinal em pacientes submetidos a uma cirurgia gastrointestinal. Para confirmar isso, um estudo duplo cego randomizado reuniu 40 pacientes que passaram por esse procedimento, a maioria deles por conta de tumores esofágicos. Eles foram divididos em dois grupos, com 20 integrantes cada, que receberam nutrição parenteral um dia antes da cirurgia e seguiram com ela até três dias depois do procedimento7.
O primeiro grupo recebeu uma fórmula padrão de nutrição parenteral. Enquanto isso, no segundo houve um complemento com glutamina (na forma do dipeptídeo L-alanil-glutamina – a mais comum utilizada nos estudos) na dose de 0,5g/kg de peso/dia7.
Amostras de sangue foram analisadas em busca de indicadores específicos capazes de determinar prejuízos à função imune desses pacientes, aspecto que pode estar associado a complicações pós-operatórias7.
No fim, foi possível constatar que quem havia recebido a glutamina tinha melhores indicadores relativos à função imune e havia ficado menos tempo internado7. A razão por trás dessa melhor recuperação pode ser explicada pelo aumento da síntese proteica em função da suplementação com o aminoácido8.
Que cuidados devem ser observados na indicação de glutamina?
A diretriz da Braspen (Brazilian Society of Parenteral and Enteral Nutrition) para paciente grave, por exemplo, esclarece que a glutamina é contraindicada a pacientes na fase aguda de doença grave, com disfunção orgânica múltipla, disfunção renal, disfunção hepática ou instabilidade hemodinâmica9. Doses acima de 0,5 g/kg/dia também não são recomendadas9.
Ao mesmo tempo, é preciso reforçar a aderência às recomendações das principais diretrizes sobre a indicação de nutrição parenteral para garantir que a terapia nutricional cumpra seu objetivo. Assim, o recurso pode ser utilizado da melhor maneira possível, com a composição nutricional apropriada para cada condição clínica.
A importância da prescrição adequada da nutrição parenteral
Exemplo disso, é um artigo publicado em 2018, desenvolvido a partir de um estudo longitudinal com 95 pacientes em onze enfermarias de um hospital italiano10. Mais da metade desses pacientes estava na ala cirúrgica. Os dados mostraram que o time especializado em nutrição no hospital foi responsável 48% das prescrições de nutrição parenteral em tal cenário.
Do total de pacientes avaliados no estudo, 54,7% já contavam com a prescrição de parenteral indicada pelo médico responsável. Quando a equipe especialista em nutrição foi acionada, 55,8% dessas prescrições foram modificadas10. Logo, isso mostra a importância de um time especializado para adequar a composição da fórmula a ser utilizada.
A orientação médica no pré-operatório foi realizada em 16,3% dos pacientes, com mediana de 6,5 dias de antecedência ao procedimento. Na média, houve deficiência de 3,1 calorias/kg/dia e de 0,23 g de proteínas/ kg/ dia10. Além disso, 6,8% das bolsas prescritas pelo time de nutrição tinham algum tipo de suplemento adicionado, enquanto apenas 3,8% das bolsas prescritas pelos médicos assistentes continham tais itens10.
Assim sendo, melhorias podem ser implementadas para aumentar a eficácia e a eficiência da nutrição parenteral, aprimorando a prescrição, a escolha da via correta e a oferta adequada conforme as necessidades calóricas e proteicas do paciente. Junto a tudo isso, é importante garantir o acompanhamento por uma equipe especializada em terapia nutricional, além de treinamento no tema para todos os profissionais envolvidos10.
Em suma, são diversas as variáveis que devem ser consideradas na relação entre glutamina e nutrição parenteral. Seja como for, um corpo relevante de evidências mostra que se bem utilizado, tal aminoácido pode ser importante no desfecho de pacientes que precisam de terapia nutricional parenteral.
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Referências
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