Por que a terapia nutricional pediátrica é importante e quais são as diretrizes básicas?
É natural que as crianças sejam mais suscetíveis a quadros de desnutrição, principalmente no ambiente hospitalar. Além das demandas metabólicas maiores devido ao período de crescimento, elas contam com menor quantidade de reservas no organismo1. Em tal contexto, a avaliação a respeito da necessidade da introdução da terapia nutricional pediátrica é fundamental nesse perfil de paciente, de acordo com diretrizes específicas2.
A terapia nutricional pediátrica diz respeito a recursos como a nutrição enteral ou parenteral capazes de prover os nutrientes necessários, transitando para o suporte via oral quando possível2. A partir disso, é possível reduzir o risco de uma série de complicações e desfechos negativos atrelados ao estado nutricional inadequado.
O impacto da desnutrição em pacientes pediátricos
Em boa parte dos casos, a instalação do quadro de desnutrição em pacientes pediátricos está associada a uma doença de base. Além disso, a condição pode ser resultado de perda de capacidade de absorção de determinados nutrientes ou diante da exigência de períodos longos de jejum diante da necessidade de determinado procedimento2.
Apesar disso, em muitos casos a introdução de qualquer intervenção nutricional é protelada, o que faz com que o paciente pediátrico gravemente enfermo não receba suporte nos primeiros dias de internação3. Com isso, é frequente que esses pacientes desnutridos apresentem:
- perda de funcionalidade muscular;
- alterações no trato digestivo;
- depressão da função imunológica;
- aumento no tempo de cicatrização.
Levando isso em consideração, a desnutrição em pacientes pediátricos tem correlação com morbimortalidade, tempo de internação, dias em ventilação e custos hospitalares e é um fator de risco isolado para desfechos piores4.
Por isso, a intervenção de uma equipe multidisciplinar desde os primeiros momentos da admissão no ambiente hospitalar é fundamental para evitar danos ao estado nutricional desse perfil de paciente, uma vez que as evidências mostram como isso pode contribuir para a prevenção de uma série de complicações.
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A avaliação da necessidade de terapia nutricional pediátrica
Diante disso, é fundamental identificar o risco e o estado nutricional de um paciente pediátrico desde o primeiro momento. Dessa forma, a intervenção necessária pode ser iniciada o quanto antes5. Para isso, a criança deve ser submetida a uma avaliação nutricional, que identifica se ela está desnutrida ou não. Dados antropométricos e exames laboratoriais de padrões bioquímicos podem ser empregados para esse fim, apontando inclusive a presença de obesidade5.
Antes mesmo de falar o estado nutricional e de todos os métodos necessários para isso, o paciente pode ser submetido a uma triagem de risco nutricional. Mesmo que no momento da admissão ele esteja saudável, o curso da doença pode fazer com ele desenvolva algum grau de desnutrição5. Dessa forma, é possível intervir com a terapia nutricional naqueles com risco mais elevado. Seja como for, existem diversas ferramentas de avaliação e triagem nutricional para crianças. Entre as mais empregadas estão5,6:
- Sermet-Gaudelus
- PYMS (Paediatric Yorkhill Malnutrition Score)
- SGNA (Screening Tool for the Assessment of Malnutrition in Pediatrics)
- Strong Kids
- STAMP (Screening Tool for the Assesssment of Malnutrition in Pediatrics)
Identificado o risco e o estado nutricional do paciente pediátrico é possível direcionar a introdução da terapia nutricional, seja ela enteral ou parenteral. Isso envolve, claro, reconhecer as demandas de energia, proteínas, lipídios, eletrólitos e demais micronutrientes de cada paciente.
Para identificar a demanda de calorias, por exemplo, pode ser utilizada a calorimetria indireta ou uma das séries de equações disponíveis para esse cálculo. Essas fórmulas levam em conta a idade, o sexo e o peso da criança, mas cuidado, pois essas equações podem superestimar as necessidades nutricionais do paciente7.
A introdução da terapia nutricional pediátrica
A partir do momento em que a criança é incapaz de manter a alimentação adequada por via oral no ambiente hospitalar, a terapia nutricional pode ser iniciada já nas primeiras 48 horas após a admissão de pacientes graves, desde que eles estejam hemodinamicamente estáveis2.
Assim como acontece com pacientes de outros perfis, a via enteral deve ser sempre considerada como a de preferência. Embora possa haver limitações a esse método, ele tem se mostrado superior em segurança e eficácia, uma vez que respeita às funções digestivas, têm menor risco de complicações, não requer assepsia complexa e é mais barato6.
Por outro lado, quando o paciente apresenta o trato digestivo não funcionante, a terapia parenteral é a única via possível8. Tal constatação deve levar em conta os riscos dessa alternativa e a necessidade do devido monitoramento para prevenir complicações. Ademais, é recomendado fazer a transição para a terapia enteral sempre que ela for capaz de suprir, ao menos, dois terços das necessidades nutricionais estimadas5.
A terapia nutricional pediátrica deve ser encarada como um elemento de rotina em estabelecimentos de saúde habilitados a tratar pacientes desse perfil, em especial em casos graves, onde o risco de destruição clínica é ainda maior. Desse modo, tal recurso pode contribuir com a evolução do quadro da criança, garantindo melhores desfechos.
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Referências:
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- COPPINI, L. Z., SAMPAIO, H., & MARCO, D. Recomendações nutricionais para crianças em terapia nutricional enteral e parenteral. Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina. Projeto Diretrizes, 9, 35-50. Disponível em: https://amb.org.br/files/_BibliotecaAntiga/recomendacoes_nutricionais_para_criancas_em_terapia_nutricional_enteral_e_parenteral.pdf. Acesso em maio de 2023.
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