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4 condições em que pode ser preciso repor micronutrientes na prática clínica

A importância de repor micronutrientes em determinadas circunstâncias tem relação direta com o papel essencial que esses elementos têm no organismo humano. Eles estão envolvidos em diversos processos metabólicos de macronutrientes, em mecanismos do sistema imune e na manutenção da defesa antioxidante, entre outras funções biológicas fundamentais (como processos de cicatrização, por exemplo)1,2.

Nesse contexto, vários quadros clínicos podem exigir a necessidade de reposição específica de diferentes micronutrientes, incluindo vitaminas e elementos-traço (os oligoelementos). Em geral, essas demandas se dão por conta do aumento das perdas em função da presença de algumas doenças1,2. Além disso, em outros contextos, pode haver diminuição da ingestão/absorção ou aumento da demanda desses nutrientes1,2.

Nos tópicos abaixo, mostramos alguns exemplos dessas condições com as quais é possível deparar-se na prática clínica.

 

1.    Síndrome do intestino curto

A síndrome do intestino curto (SIC) em adultos é definida como um transtorno de má absorção provocado pela presença de um trecho do intestino delgado contínuo menor do que 200 cm3.  Também pode acontecer de, mesmo na presença de intestino delgado maior do que 200 cm, haver uma manifestação clínica de SIC, o que é definido como “SIC funcional”. Tal condição evolui em função de prejuízo na funcionalidade do trecho do intestino remanescente3.

De qualquer forma, como a maior parte da absorção dos micronutrientes ocorre nos segmentos intestinais que ficam entre o duodeno e o íleo, esse tipo de alteração pode provocar deficiências de muitos nutrientes4. Entre as causas adquiridas da síndrome intestino curto estão a doença de Crohn, isquemia mesentérica, lesões intestinais após acidente traumático, aderências pós-cirúrgicas e complicações pós-operatórias4.

Pacientes com a síndrome do intestino curto geralmente apresentam carências de ferro, cromo, zinco, fósforo, cobre, niacina, tiamina, folato e de vitaminas lipossolúveis1,2,4.

Porém, isso também pode variar de acordo com o ponto onde houve a ressecção do órgão4. Esses indivíduos estão também mais suscetíveis a alterações no sistema imune e um maior tempo de recuperação de infecções5. Essa deficiência ainda amplia a chance de quadros infecciosos graves5.

 

2.    Recuperação de cirurgias bariátricas

As cirurgias bariátricas são um meio importante de alcançar uma perda sustentada de peso em pacientes obesos. Entretanto, é preciso considerar que esse tipo de procedimento pode provocar algumas complicações6. Uma delas é justamente a deficiência, tanto de macro quanto de micronutrientes, foco deste conteúdo6.

Os mecanismos por trás desse problema estão no tipo de técnica utilizada em cada procedimento. De um lado, a cirurgia bariátrica pode provocar dificuldades na absorção desses micronutrientes, por conta da limitação das áreas do trato gastrointestinal destinadas a isso6.

De outro, procedimentos restritivos reduzem o volume do estômago, induzindo à saciedade mais rápido e, portanto, diminuindo a quantidade de alimento ingerida6. Por fim, pode haver uma interação dos dois fatores combinados: redução da superfície de absorção e baixa ingestão alimentar6.

Outras variáveis associadas à deficiência desses elementos nesses pacientes são o consumo de álcool, a falta de aderência à suplementação para repor micronutrientes e outras complicações derivadas da cirurgia em si7.

Além da deficiência de algumas vitaminas, é comum que pacientes de cirurgias bariátricas sofram com deficiências de oligoelmentos. O ferro, o zinco, o selênio e o cobre são os que mais chamam a atenção6,7.

Desse modo, deve haver um reforço para que pacientes submetidos a cirurgias bariátricas recebam orientações sobre esses riscos e sejam incentivados a mudanças necessárias na dieta, incluindo a adesão às suplementações prescritas7.

 

3.    Úlceras do pé diabético

Pacientes com diabetes sofrendo com úlceras do pé diabético precisam ser orientados sobre a importância de uma nutrição adequada. Esse é um componente essencial para a cicatrização das feridas e, por consequência, para reversão desse tipo de problema8. Porém, nem sempre isso acontece.

Exemplo desse risco vem de um estudo publicado em 2023 com um grupo de 115 pacientes australianos com lesões relacionadas ao pé diabético, apontando que a maior parte deles apresentava ingestão inadequada de alguma vitamina ou oligoelemento (no caso analisado, era o zinco)8.

Enquanto 86% não atingia as recomendações diárias de ingestão de vitamina E, deficiências no aporte de zinco foram identificadas em 37% da amostra8. Junto das proteínas, o zinco é indispensável na construção de novos tecidos, além de facilitar a resposta imune9.

 

Veja também: Qual a importância dos minerais antioxidantes na nutrição parenteral?

 

 

1.    Pacientes com queimaduras

As evidências sustentam que lesões provenientes de queimaduras geram inflamação sistêmica, induzindo uma resposta hipermetabólica grave, pronunciada e persistente10. Além disso, esses danos geram estresse oxidativo com depleção das defesas antioxidantes endógenas, por meio de um aumento da excreção urinária e pela perda de fluidos e micronutrientes através das áreas queimadas11. Com isso, pode haver impacto sobre a concentração de micronutrientes antioxidantes, como cobre, selênio e zinco11.

Desse modo, a terapia nutricional adequada é fundamental. Ela tem como objetivo promover a recuperação do paciente gravemente queimado por meio da modulação da resposta imunoinflamatória e pelo manejo da desnutrição aguda associada ao quadro crítico (inclusive para repor micronutrientes)10.

No entanto, é preciso observar que é possível que as demandas de determinados micronutrientes em grandes queimados sejam diferentes do que as normalmente recomendadasEssas são as conclusões de um artigo sobre o tema publicado em 2017.  Os responsáveis pela publicação analisaram a perda de elementos-traço por meio do exsudato das queimaduras e compararam isso com o nível sérico desses micronutrientes12.

Com esses resultados em mãos, foi possível constatar que a suplementação de zinco não foi capaz de corrigir os patamares séricos do micronutriente, principalmente em pacientes com mais de 20% da superfície do corpo lesionada pelas queimaduras12.

Isso leva à conclusão de que alguns protocolos de suplementação desse micronutriente em grandes queimados precisam ser revisados12. Enquanto isso, as recomendações para suplementação de selênio foram suficientes para trazerem os patamares séricos a níveis apropriados ou mesmo até maiores do que os ideais12.

Seja como for, independente da condição clínica que leve à necessidade de repor micronutrientes, é indispensável que a prescrição e o monitoramento desse tipo de aporte sejam acompanhados de perto por profissionais capacitados, ampliando a chance de desfechos positivos.

Aproveite para saber mais sobre a importância do uso de oligoelementos na nutrição parenteral.

 

 

Referências:

  1. Castro MG, Ribeiro PC, Zambelli CMSF, Falcão H, Silva Jr JM, Alves JTM, et al. Posicionamento BRASPEN sobre o uso de micronutrientes via parenteral em adultos. BRASPEN Journal. 2023;36(1):3-19. Disponível em: https://braspenjournal.org/journal/braspen/article/doi/10.37111/braspenj.AE.2021.36.1.01. Acesso em 27 de março de 2024.
  2. Blaauw R, Osland E, Sriram K, Ali A, Allard JP, Ball P, et al. Parenteral provision of micronutrients to adult patients: an expert consensus paper. JPEN J Parenter Enteral Nutr. 2019;43(Suppl 1):S5-S23. Disponível em: <https://aspenjournals.onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/jpen.1525> Acesso em 27 de março de 2024.
  3. Pironi L, Bozzetti F, Fearon K, et al. ESPEN guideline on chronic intestinal failure in adults–Update 2023. Clin Nutr. 2023;42(10):1940-2021. Disponível em: <https://www.espen.org/files/ESPEN-Guidelines/ESPEN_guideline_on_chronic_intestinal_failure_in_adults.pdf> Acesso em 8 de abril de 2023.
  4. Rodriguez DN, Ruiz NC, Qian S, Kamel AY. Clinical Manifestations of Micronutrient Deficiencies in Short Bowel Syndrome: A Case Report. 2023 Apr 20;15(4):e37897. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC10202680/> Acesso em 27 de março de 2024.
  5. Maggini S, Pierre A, Calder PC. Immune function and micronutrient requirements change over the life course. 2018;10. Disponível em: <https://www.mdpi.com/2072-6643/10/10/1531> Acesso em 27 de março de 2024.
  6. Patel JJ, et al. Micronutrient deficiencies after bariatric surgery: an emphasis on vitamins and trace minerals. Nutrition in Clinical Practice. 2017;32(4):471-480. Disponível em: <https://aspenjournals.onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1177/0884533617712226> Acesso em 5 de março de 2024.
  7. Chizooma E, Fabyan S, Panda A, Ahmed MH, Panourgia M, Owles H, et al. Recurrent abdominal laparotomy wound infection and dehiscence in a patient with zinc and selenium deficiency associated with Roux-en-Y gastric bypass: Case report and literature review. Journal of Family Medicine and Primary Care. 2023;12(11):2979-2982. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC10771219/> Acesso em 27 de março de 2024.
  8. Donnelly HR, Clarke ED, Collins CE, Collins RA, Armstrong DG, Mills JL, et al. Most individuals with diabetes‐related foot ulceration do not meet dietary consensus guidelines for wound healing. International wound journal. 2024;21(3):e14483. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC10898395/ > Acesso em 27 de março de 2024.
  9. Quain AM, Khardori NM. Nutrition in wound care management: a comprehensive overview. 2015;27(12):327‐335. Disponível em: <https://www.hmpgloballearningnetwork.com/site/wounds/reviews/nutrition-wound-care-management-comprehensive-overview> Acesso em 27 de março de 2024.]
  10. Moreira E, Burghi G, Manzanares W. Update on metabolism and nutrition therapy in critically ill burned patients. Medicina Intensiva (English Edition). 2018;42(5):306-316. Disponível em: <https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0210569117302231?via%3Dihub> Acesso em 5 de março de 2024.
  11. Manzanares W, Langlois PL, Hardy G. Update on antioxidant micronutrients in the critically ill. Curr Opin Clin Nutr Metab Care. 2013;16:719—25. Disponível em: <https://journals.lww.com/co-clinicalnutrition/abstract/2013/11000/update_on_antioxidant_micronutrients_in_the.20.aspx> Acesso em 5 de março de 2024.
  12. Jafari P, Thomas A, Haselbach D, Watfa W, Pantet O, Michetti M, et al. Trace element intakes should be revisited in burn nutrition protocols: A cohort study. Clinical nutrition. 2018;37(3):958-964. Disponível em: <https://www.clinicalnutritionjournal.com/article/S0261-5614(17)30119-X/abstract> Acesso em 5 de março de 2024.

 

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