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Como deve ser feito o manejo da disfunção do trato gastrointestinal em pacientes na UTI?

Não é novidade que o manejo da disfunção do trato gastrointestinal tem reflexo direto no desfecho clínico dos pacientes admitidos em unidades de terapia intensiva. Tal afirmação leva em conta que problemas na função dessa parte do organismo são comuns em ambientes de UTI1.

Dessa forma, torna-se fundamental reconhecer a natureza dos problemas mais comuns. Além disso, os profissionais responsáveis pelo acompanhamento do quadro devem se atentar para otimizar os benefícios de eventuais intervenções nutricionais, conforme a diretriz nacional sobre o tema.

 

A função gastrointestinal em pacientes graves

Há alguns quadros clínicos que podem afetar a motilidade do trato gastrointestinal. Um dos aspectos mais prevalentes são as alterações nas contrações musculares provocadas pelo estresse relacionado à doença. Além disso, o paciente pode ter prejuízos na secreção e absorção de nutrientes, bem como na composição e comportamento da microbiota intestinal2.

Com isso, há evidências que corroboram a alteração da função gastrointestinal com a trajetória clínica de pacientes em estados graves. Em tal contexto, pacientes com disbiose (desequilíbrio da microbiota intestinal) têm aumento da permeabilidade intestinal e modulação imune, favorecendo estados pró-inflamatórios3,4,5.

Logo, a literatura disponível reforça a importância e a relevância clínica de um intestino funcional em pacientes graves1.

Alguns dos problemas no trato gastrointestinal presentes em pacientes críticos e que devem ser identificados e monitorados são1:

 

  • refluxo gastroesofágico;
  • gastroparesia;
  • diarreia;
  • constipação;
  • íleo adinâmico.

 

Todas essas condições podem ter etiologias variadas e diferentes escalas de gravidade. Portanto, cada uma delas exige diferentes recursos para o diagnóstico adequado, bem como para condução do quadro à medida que o paciente evolui no ambiente de UTI.

 

Avaliação e monitoramento da função gastrointestinal

Assim, é fundamental reforçar que o início da doença grave muda de imediato o ambiente do trato gastrointestinal. Isso favorece alterações que levam a complicações abdominais e extra-abdominais. É necessária, portanto, a adequação a uma série de procedimentos, para garantir que complicações relacionadas a função gastrointestinal de pacientes críticos não se reflitam em uma maior mortalidade.

Parte essencial desse acompanhamento envolve o pronto reconhecimento de episódios de agressão gastrointestinal aguda, compondo um cuidado essencial para os responsáveis pelo cuidado nesses cenários. A classificação do estágio da agressão gastrointestinal é delimitada por meio de uma escala que vai de I a IV.  Desse modo, a progressão da gravidade eleva o risco de falência dos órgãos e aumenta a chance de morte6.

Além disso, há outros escores que podem ser utilizados para estimar o prognóstico do paciente em estado grave em ambiente de UTI1. Uma das mais comuns é a pontuação de falência gastrointestinal (conhecida pela sigla GIF). Ela é mensurada pelos sintomas abdominais e pela pressão intra-abdominal7.

Por outro lado, a presença isolada da pressão intra-abdominal não é suficiente para caracterizar a disfunção gastrointestinal, uma vez que a GIF tem como principal objetivo fazer um diagnóstico precoce de problemas no trato gastrointestinal. Para avaliação das disfunções gastrointestinais é possível utilizar a escala GIDS (escore de disfunção gastrointestinal)1,7.

 

Veja também: tudo o que você precisa saber sobre a nutrição parenteral na unidade de terapia intensiva

 

O cuidado nutricional no manejo da disfunção do trato gastrointestinal

 

A maioria das diretrizes disponíveis recomenda a introdução da terapia nutricional enteral em intervalos entre 24 e 48 horas após a admissão em UTI diante da série de benefícios que isso oferece8-11.

No caso de pacientes com dano à função gastrointestinal, tal recomendação é acompanhada do monitoramento tolerância do paciente em relação à nutrição enteral. Dessa maneira, é possível iniciar precocemente intervenções nutricionais após tratamento de anormalidades do trato gastrointestinal1. Logo, em nenhuma hipótese, deve-se suspender a intervenção nutricional sem evidência clara de intolerância1.

Os pacientes que não atingirem a recomendação nutricional por meio da nutrição enteral, na primeira semana de UTI, devem considerar os benefícios e os riscos da nutrição parenteral1. Apesar disso, a introdução desses recursos não deve ser feita até que sejam esgotadas todas as soluções para maximizar a tolerância gastrointestinal8.

Em todo o caso, a prioridade deve ser a utilização da nutrição parenteral suplementar. Os números para essa indicação variam de acordo com a diretriz consultada. Em média, quando a oferta calórica é inferior a 60% das necessidades diárias, por pelo menos 3 dias após admissão da UTI, a nutrição parenteral suplementar deve ser iniciada8.  Tal demanda energética deve ser mensurada por calorimetria indireta, sempre que possível8.  Por outro lado, para nutrição parenteral total, a recomendação geral passa por aguardar, ao menos, 7 dias para certificar-se de que o paciente não alcança a capacidade de ingestão oral voluntária e/ou a nutrição enteral permanece inviável9.

Levando tudo isso em conta, os cuidados em relação ao manejo da disfunção do trato gastrointestinal estão relacionados com o impacto desse quadro no desfecho clínico, conforme já citado.  Isso inclui desde o reconhecimento e avaliação a partir de sintomas iniciais, assim como todas as intervenções necessárias para otimizar a tolerância da terapia nutricional, o que permite um melhor aproveitamento dos nutrientes e manutenção ou recuperação do estado nutricional do nosso paciente.

 

Aproveite e veja mais sobre a importância da monitorização da terapia nutricional.

 

 

Referências

 

  1. Barreto, P., de Assis, T., Castro, M. G., Rosenfeld, R. S., Duprat, G., Costa, R., … & Gonçalves, T. J. M. Posicionamento BRASPEN–Manejo da disfunção trato gastrointestinal na UTI. Disponível em: https://www.braspen.org/_files/ugd/cbac6c_fc1bdc762c254488a0a5670ec75d4433.pdf Acesso jan. 2023.
  2. Heinonen T, Ferrie S, Ferguson C. Gut function in the intensive care unit: what is ‘normal’? Aust Crit Care. 2020;33(2):151-4. Disponível em: https://www.australiancriticalcare.com/article/S1036-7314(18)30099-7/fulltext Acesso nov. 2022.
  3. McClave SA, Lowen CC, Martindale RG. The 2016 ESPEN Arvid Wretlind lecture: the gut in stress. Clin Nutr. 2018;37(1):19-36. Disponível em: https://www.clinicalnutritionjournal.com/article/S0261-5614(17)30256-X/fulltext Acesso nov. 2022.
  4. Assimakopoulos SF, Triantos C, Thomopoulos K, Fligou F, Maroulis I, Marangos M, et al. Gut-origin sepsis in the critically ill patient: pathophysiology and treatment. Infection. 2018;46(6):751-60. Disponível em: https://link.springer.com/article/10.1007/s15010-018-1178-5 Acessojan. 2023.
  5. Potruch A, Schwartz A, Ilan Y. The role of bacterial translocation in sepsis: a new target for therapy. Therap Adv Gastroenterol. 2022;15:17562848221094214. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC9092582/ Acesso jan. 2023.
  6. Reintam Blaser A, Poeze M, Malbrain ML, Björck M, Oudemansvan Straaten HM, Starkopf J; Gastro-Intestinal Failure Trial Group. Gastrointestinal symptoms during the first week of intensive care are associated with poor outcome: a prospective multicentre study. Intensive Care Med. 2013;39(5):899-909. Disponível em https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3625421/Acesso mar. 2023.
  7. Reintam Blaser A, Padar M, Mändul M, Elke G, Engel C, Fischer K, et al. Development of the Gastrointestinal Dysfunction Score (GIDS) for critically ill patients: a prospective multicenter observational study (iSOFA study). Clin Nutr. 2021;40(8):4932-40.Disponível em https://www.clinicalnutritionjournal.com/article/S0261-5614(21)00349-6/fulltext Acesso mar.2023.
  8. Singer P, Blaser AR, Berger MM, Alhazzani W, Calder PC, Casaer MP, et al. ESPEN guideline on clinical nutrition in the intensive care unit. Clin Nutr. 2019;38(1):48-79. https://www.clinicalnutritionjournal.com/article/S0261-5614(18)32432-4/fulltext Acesso jan. 2023.
  9. McClave SA, Taylor BE, Martindale RG, Warren MM, Johnson DR, Braunschweig C, et al; Society of Critical Care Medicine; American Society for Parenteral and Enteral Nutrition. Guidelines for the Provision and Assessment of Nutrition Support Therapy in the Adult Critically Ill Patient: Society of Critical Care Medicine (SCCM) and American Society for Parenteral and Enteral Nutrition (A.S.P.E.N.). JPEN J Parenter Enteral Nutr. 2016;40(2):159-211.  Disponível em: https://aspenjournals.onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1177/0148607115621863 Acesso jan. 2023.
  10. Castro MG, Ribeiro PC, Souza IAO, Cunha HFR, Silva MHN, Rocha EEM, et al. Diretriz brasileira de terapia nutricional em pacientes graves. BRASPEN J. 2018;33(Supl 1):2-36 Disponível em: https://www.braspen.org/_files/ugd/a8daef_695255f33d114cdfba48b437486232e7.pdf Acesso em jan. 2023.
  11. Preiser JC, Arabi YM, Berger MM, Casaer M, Casaer M, McClave S, Montejo-González JC, et al. A guide to enteral nutrition in intensive care units: 10 expert tips for the daily practice. Crit Care. 2021;25(1):424 Disponível em: https://ccforum.biomedcentral.com/articles/10.1186/s13054-021-03847-4 Acesso em jan. 2023.

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