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O que dizem as diretrizes sobre a indicação de uso de cada oligoelemento?

Embora a importância dos oligoelementos (que junto das vitaminas compõem os chamados micronutrientes) no estado nutricional seja amplamente reconhecida, ainda pode haver obstáculos no uso adequado desses componentes, muitas vezes por conta de lacunas de informação entre os profissionais da área. Portanto, vale a pena repassar o que dizem as diretrizes sobre a indicação de uso de cada oligoelemento.

Para isso, vamos tomar como referência a atualização de 2022 da Espen (a European Society for Clinical Nutrition and Metabolism), a respeito do uso de micronutrientes. Esse documento reúne o que há de mais atualizado sobre o tema na prática clínica.

 

O que considerar e como utilizar a diretriz sobre o uso de oligoelementos?

A diretriz da Espen sobre o uso de micronutrientes na nutrição clínica foi elaborada a partir do trabalho conjunto de diversos profissionais da área da saúde. A partir disso, contando com uma metodologia rigorosa de seleção e análise de publicações, eles reúnem as evidências disponíveis sobre o tema tendo como norte os seguintes aspectos1:

  1. Resumo da função principal do elemento;
  2. Necessidades nutricionais em via oral, enteral e parenteral;
  3. Métodos analíticos e marcadores;
  4. Deficiência ou eventual toxicidade relacionadas ao oligoelemento;
  5. Como tratar e corrigir a deficiência/toxicidade;
  6. Recomendações da diretriz a respeito dos tópicos explorados.

Essas recomendações são listadas e divididas em quatro classes, de acordo com as evidências e os tipos de estudos disponíveis sobre o assunto: A,B,0 e GPP. Assim sendo, de um lado a letra A representa um grau mais sólido de evidências (que conta, por exemplo, com ensaios clínicos randomizados bem desenhados, revisão sistemática ou metanálises). De outro, o GPP, onde o grupo de pesquisadores autores da diretriz, sugere recomendações de boas práticas baseadas em experiência clínica, sem grau de evidência robusta disponível1.

No mais, as recomendações das diretrizes são propostas e submetidas a processo de obtenção de consenso. Todas as recomendações que obtêm menos de 90% de consenso são revisadas e, se necessário, reformuladas1. Com isso fica fácil entender que olhar para uma diretriz é o início de um processo que garante uma maior segurança na indicação de condutas relacionadas aos oligoelementos.

 

O que você precisa saber sobre a indicação de uso de cada oligoelemento?

Depois de entender um pouco melhor como são elaboradas e como funcionam as diretrizes da Espen, vamos agora repassar algumas das principais orientações sobre a indicação de uso de cada oligoelemento na diretriz específica indicada.

 

Cromo

Atualmente, as recomendações de cromo para pessoas em uso de nutrição parenteral giram em torno de 10 µg e 15 µg/dia em adultos, incluindo aqueles pacientes com altas necessidades (nesse caso, 15 µg/dia) ou recebendo nutrição parenteral domiciliar2,3.

A diretriz da Espen também sugere, com forte consenso, que a nutrição parenteral deve oferecer, no mínimo, 10 µg de cromo por dia1. E em caso de deficiência ou suspeita clínica de deficiência, a suplementação adicional deve ser oferecida ou via oral ou, se disponível, via endovenosa1.

 

Cobalto

Cobalto é um micronutriente essencial para a formação da vitamina B12.  Logo, diferente do cromo, não há indicação de fornecimento do cobalto na nutrição parenteral, desde que a vitamina B12 seja oferecida em quantidades adequadas1. Essa recomendação é baseada na experiência dos especialistas na área (grau GPP) e conta com um forte consenso1.

 

Cobre

Na maioria dos casos, as evidências mostram que aportes de cobre entre 0,3 e 0,5 mg/dia são suficientes para atender às necessidades da maioria dos pacientes recebendo nutrição parenteral3,4, com grau B de recomendação e um forte consenso. Em todo caso, é preciso observar que a quantidade de cobre no organismo pode estar elevada por conta de quadros inflamatórios5.

Além disso, doses acima de 2 mg/dia são flebogênicas (ou seja, estão associadas a um maior risco de flebites na administração periférica)1. Ademais, as diretrizes reforçam que pacientes recebendo nutrição parenteral em longo prazo devem ter a quantidade de cobre no organismo avaliada a cada 6 ou 12 meses, com grau de recomendação B e um forte consenso1.

 

Flúor

O flúor é um oligoelemento que, de forma ampla, não tem necessidade formal de suplementação de uso na nutrição parenteral1.

Todavia, várias fórmulas disponíveis no mercado podem oferecer 0,95 mg/dia de flúor, o que se mostra seguro e pode ser mantido sem contraindicações1.

 

Iodo

As orientações da Espen, com grau de recomendação B e um forte consenso, sugerem que pacientes em uso de nutrição parenteral devem receber uma dose padrão de 130 µg/dia de iodo1.

Esse valor se repete para pacientes recebendo suporte nutricional parenteral domiciliar e para aqueles com altas necessidades, como acontece diante de perdas gastrointestinais, diante de terapia de reposição renal contínua e em pacientes hipermetabólicos ou já depletados para o oligoelemento antes mesmo de iniciar a nutrição parenteral1.

As reservas de iodo na tireoide costumam ser suficientes para mais ou menos três meses em pacientes adultos recebendo nutrição parenteral6.

 

Saiba mais: A importância dos minerais antioxidantes na nutrição parenteral

 

Ferro

A nutrição parenteral deve ser capaz de oferecer, pelo menos, 1 mg de ferro elementar. O valor se repete para pacientes em uso da terapia no ambiente domiciliar ou com altas necessidades1. Entretanto, em pacientes abaixo dos 40 kg de peso corporal, tal dose deve ser adaptada1

Além disso, as evidências disponíveis mostram que as dosagens de ferro no organismo podem sofrer alterações por conta de estados inflamatórios.

 

Manganês

Com grau de recomendação A e um forte consenso, a diretriz da Espen orienta que pacientes recebendo nutrição parenteral tenham um aporte de 55 µg/dia de manganês. Isso inclui a administração para pacientes que usam a terapia em contexto domiciliar ou para aqueles com alta demanda1.

Adicionalmente, a Espen indica (segundo opinião dos especialistas – grau GPP) que o acompanhamento dos níveis de manganês deve se repetir a cada 40 dias. Esse intervalo considera como referência a meia-vida desse oligoelemento1.

 

Molibdênio

A recomendação de fornecimento de molibdênio via nutrição parenteral tem grau B e forte consenso e direciona a oferta entre 19 e 25 µg/dia, inclusive para uso de nutrição parenteral domiciliar ou em pacientes com altas necessidades1.

Nesse ponto, uma ressalva precisa ser feita. As evidências disponíveis sobre o tema, a partir dos estudos publicados, contemplariam um grau de recomendação 0. No entanto, tais doses de molibdênio têm sido usadas com segurança há muitos anos. Assim sendo, junto com o conhecimento de fisiologia disponível, o grupo de trabalho decidiu considerar a recomendação como de grau B1.

 

Selênio

A nutrição parenteral deve ser capaz de oferecer 60 a 100 µg/dia de selênio. Tal diretriz conta com grau B de recomendação e forte consenso1. Além disso, esse valor também contempla pacientes recebendo essa forma de terapia em casa ou por períodos prolongados1. Todavia, aqueles com altas necessidades precisam de uma quantidade maior, oscilando entre 150 e 200 µg/dia1.

Na hora de mensurar a quantidade de selênio no organismo, profissionais devem considerar que o nível plasmático da substância pode cair por conta de inflamações5. E quanto mais grave a inflamação, maior esse comprometimento. Por isso a recomendação é sempre conferir a PCR (proteína C-reativa) antes de concluir a respeito do estado de selênio no organismo1.

 

Zinco

Por fim, pacientes recebendo nutrição parenteral (inclusive em ambiente domiciliar ou em longo prazo) devem ter um aporte de 3 a 5 mg/dia de zinco, desde que não haja perdas anormais do micronutriente. O grau de recomendação da orientação é B1. Por outro lado, esse número pode oscilar entre 6 e 12 mg para pacientes com altas necessidades1.

Mais uma vez, é preciso ressaltar que quadros inflamatórios podem influenciar na concentração sérica desse micronutriente, que se mostra reduzida1.

 

Todas essas considerações sobre a indicação de uso de cada oligoelemento são um resumo do que é apresentado no documento da Espen. Logo, diante das variáveis de cada caso, é indispensável consultar os detalhes de cada recomendação e assim orientar da melhor forma o manejo do paciente recebendo qualquer tipo de suporte nutricional, incluindo a nutrição parenteral.

 

Aproveite agora para saber mais sobre a importância dos oligoelementos na nutrição parenteral.

 

 

 

Referências

 

  1. Berger MM, Shenkin A, Schweinlin A, Amrein K, Augsburger M, Biesalski HK, et al. ESPEN micronutrient guideline. Clinical Nutrition. 2022;41(6):1357-1424. Disponível em: <https://www.espen.org/files/ESPEN-Guidelines/ESPEN_micronutrient_guideline.pdf> Acesso em 26 de março de 2024.
  2. Pironi L, Arends J, Bozzetti F, Cuerda C, Gillanders L, Jeppesen PB, et al. ESPEN guidelines on chronic intestinal failure in adults. Clin Nutr. 2016;35:247-307. Disponível em: <https://www.clinicalnutritionjournal.com/article/S0261-5614(16)00047-9/fulltext> Acesso em 26 de março de 2024.
  3. Vanek VW, Borum P, Buchman A, Fessler TA, Howard L, Jeejeebhoy K, et al. A.S.P.E.N. position paper: recommendations for changes in commercially available parenteral multivitamin and multi-trace element products. Nutr Clin Pract. 2012;27:440-91. Disponivel em: <https://aspenjournals.onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1177/0884533612446706> Acesso em 26 de março de 2024.
  4. Shike M. Copper in parenteral nutrition. 2009;137:S13-7. Disponível em: <https://www.gastrojournal.org/article/S0016-5085(09)01455-3/pdf> Acesso em 26 de março de 2024.
  5. Duncan A, Talwar D, McMillan D, Stefanowicz F, O’Reilly D. Quantitative data on the magnitude of the systemic inflammatory response and its effect on micronutrient status based on plasma measurements. Am J Clin Nutr. 2012;95:64-71. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S000291652302631X?via%3Dihub Acesso em 26 de março de 2024.
  6. Stehle P, Stoffel-Wagner B, Kuhn KS. Parenteral trace element provision: recent clinical research and practical conclusions. Eur J Clin Nutr. 2016;70:886-93. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5399133/> Acesso em 26 de março de 2024.
  7. Nairz M, Weiss G. Iron in infection and immunity. Mol Aspect Med. 2020;75:100864. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0098299720300224?via%3Dihub Acesso em 26 de março de 2024.

 

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