Qual o efeito de uma oferta mais alta de proteína em pacientes com risco nutricional elevado?
Nas últimas décadas, a mortalidade entre pacientes críticos vem caindo1. Ainda assim, é bem conhecida a influência que a deficiência nos aportes proteico e energético pode ter no desfecho desses enfermos2. Nesse contexto, oferecer o suporte nutricional apropriado é essencial. O ideal seria sempre pensarmos que não devemos ofertar menos do que nosso paciente precisa. Mas o que acontece quando uma oferta mais alta de proteína é administrada?
Levando em conta que é ampla a variação de recomendação de proteína indicada pelas diretrizes de manejo nutricional, um estudo publicado em fevereiro de 2023 na The Lancet3 teve como objetivo testar a hipótese de que uma dose maior de proteína pode conduzir a desfechos clínicos melhores em pacientes graves sob risco nutricional.
Como as recomendações sobre o aporte de proteína variam?
Diversas evidências reforçam o papel das proteínas na manutenção do estado nutricional adequado. É possível, inclusive, afirmar, com base em princípios fisiológicos, estudos feitos em animais e observações clínicas, que as proteínas são o principal substrato para que pacientes graves não só consigam manter a massa muscular, como também diversas funções físicas3, 4,5. Com isso, eles teriam uma maior chance de alcançar resultados positivos na recuperação.
Porém, isso não significa que haja plena confiança sobre qual seria a dose de proteína indicada para cada circunstância. As principais diretrizes sobre o assunto indicam doses variadas e que podem ser ainda maiores para pacientes em determinados quadros. Desse modo, é possível encontrar recomendações que vão de cerca de 1,2 g/kg de peso/ dia até 2,5 g/kg de peso/dia 3,6.
Além disso, diferentes estudos controlados feitos para avaliar tal aspecto apresentam limitações e inconsistências. Isso os impede de dar uma resposta sólida sobre a questão, inclusive nos guidelines relacionados ao assunto6. Foi nesse contexto que o artigo recém-publicado no Lancet3 tentou esclarecer os efeitos de uma dose mais alta de proteína. O estudo recebeu o nome de EFFORT, um acrônimo em inglês para “efeito de uma dose maior de proteína em pacientes críticos”, em tradução livre.
Como o estudo EFFORT foi desenhado para compreender o impacto de uma dosagem mais alta de proteína?
O EFFORT foi um estudo clínico multicêntrico com pacientes de 15 países (incluindo o Brasil) admitidos em 85 unidades de terapia intensiva. Para participar do estudo, os pacientes deveriam estar na UTI há pelo menos 96 horas. Além disso, eles eram maiores de 18 anos e tinham que ter a expectativa de permanecer sob ventilação mecânica por, ao menos, 48 horas e atender a, pelo menos, um dos seguintes critérios de risco nutricional3:
- IMC baixo (≤25 kg/m²) ou alto (≥35 kg/m2);
- Desnutrição moderada ou grave, conforme critério do local de atendimento.
- Fragilidade maior ou igual a 5, de acordo com a Escala de Fragilidade Clínica.
- Sarcopenia de grau 4 ou mais, conforme SARC-F.
- A partir da triagem, os pacientes deveriam ter expectativa de permanecer pelo menos mais 4 dias sob ventilação mecânica.
Embora a expectativa fosse reunir 4 mil voluntários, devido a pandemia de Covid-19, o tamanho do estudo foi diminuindo. Ao final do ensaio, cerca de 1300 pacientes preencheram os critérios necessários e foram divididos aleatoriamente entre dois grupos. O primeiro receberia uma dose padrão de aporte proteico (menor ou igual a 1,2 g/kg por dia).
Já o segundo grupo receberia uma dose maior (igual ou acima de 2,2 g/kg por dia). Vale ressaltar que o estudo não foi duplo-cego: quem administrava o suporte nutricional sabia da diferença entre a dosagem da proteína. No entanto, os pacientes participantes não sabiam a quantidade que estavam recebendo3.
A partir disso, os pacientes foram monitorados por 60 dias após admissão para mensurar desfechos como mortalidade e o tempo necessário para alta hospitalar.
Saiba mais: Entenda qual a relação entre calorias e proteínas na nutrição parenteral?
O que esses resultados podem indicar?
No fim, após a análise dos dados coletados, a conclusão foi de que não houve diferenças significativas no tempo até a alta hospitalar, mortalidade e duração da ventilação mecânica entre os grupos3.
Entretanto, dentro da análise dos subgrupos, o estudo mostrou que pacientes com problemas renais ou com alto grau de falência dos órgãos na admissão (acima de 9, no escore SOFA) tiveram desfechos piores ao receberem doses maiores de proteína. Isso se deu tanto para o tempo de internação quanto para mortalidade3.
Logo, a partir do estudo EFFORT não foi possível sustentar a orientação de que pacientes em ventilação mecânica, mesmo que mais velhos, obesos, sarcopênicos ou com quadro mais grave se beneficiariam de um aporte proteico maior. De acordo com os autores, em vez da dosagem mais alta de proteína, as recomendações baseadas entre o menor patamar e até 80% do que é indicado nas diretrizes da ASPEN7 (que varia entre 1,2 e 2,0g/kg/ dia) e da ESPEN8 (1,3 g/kg/ dia) parecem razoáveis3.
Veja mais sobre algumas das principais alterações associadas à deficiência de proteína e o que pode ser feito para preservar massa magra.
Referências
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