Sarcopenia e caquexia: entenda os obstáculos da terapia nutricional nesses quadros
A manutenção da massa muscular desempenha papel importante em diferentes funções do organismo. Não por menos, condições como sarcopenia e caquexia podem impactar desfechos clínicos de forma significativa.
Embora essenciais, intervenções nutricionais para contornar esses quadros podem apresentar desafios. A seguir, conheça um pouco mais sobre essas condições e quais são os principais obstáculos na terapia nutricional.
Sarcopenia: definição e diagnóstico
Atualmente, a sarcopenia é definida como um distúrbio progressivo e generalizado do músculo esquelético, que satisfaz três critérios: baixa massa muscular, baixa força muscular e baixa força muscular específica – que relaciona a força com o tamanho do músculo (1, 2, 3).
Sua prevalência varia de acordo com a idade. Segundo pesquisa, a sarcopenia pode atingir em torno de 36.5% das pessoas com 80 anos ou mais. Entre aqueles com idades entre 60 a 70 anos, o problema alcança, em média, 21.2% das pessoas dessa faixa etária (4).
A sarcopenia é classificada como primária ou secundária, dependendo de sua etiologia. A sarcopenia primária é causada pela idade avançada. Já a sarcopenia secundária resulta de falência de órgãos, câncer ou outras doenças, bem como inatividade física (pacientes acamados ou sedentários) e à nutrição inadequada (problemas na alimentação, na absorção de nutrientes ou uso de determinados medicamentos (1, 5, 6, 7).
Independente do contexto, os quadros de sarcopenia estão associados a quedas, declínio funcional, imobilidade, incapacidade, institucionalização, doenças sistêmicas, fragilidade e mortalidade (2, 8).
O diagnóstico da sarcopenia pode ser realizado por meio de questionários, protocolos de avaliação da capacidade muscular e utilização de exames de imagem. Exemplo de ferramentas incluem o Sarc-F, o Sarc-CalF, e, mais recentemente, o Sarc-Global (9).
Caquexia: definição e diagnóstico
A caquexia é uma síndrome multifatorial caracterizada pela perda de apetite, peso e músculo esquelético, levando à fadiga, comprometimento funcional, aumento da toxicidade relacionada ao tratamento, baixa qualidade de vida e redução da sobrevida (10).
Nessa condição, o consumo proteico-calórico reduzido ocasiona um balanço energético-proteico negativo, associado a alterações metabólicas (aumento do catabolismo, resistência anabólica, aumento do gasto energético e desregulação neuro-hormonal), muitas vezes não responsiva a terapia nutricional convencional (11).
Em pacientes com câncer, a prevalência de caquexia varia entre 40% e 70%, dependendo do estágio do tumor (12, 13, 14, 15). No mais, o problema também se faz presente em pacientes com doenças como AIDS, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e doenças cardíacas e renais crônicas (12).
O diagnóstico da caquexia irá depender do seu estágio (11):
1 – Pré-caquexia: ≤5% de perda de peso nos últimos 6 meses. Cursando com anorexia e alterações metabólicas.
2 – Caquexia: >5% de perda de peso nos últimos 6 meses ou >2% de perda de peso nos últimos 6 meses e IMC<20 kg/m² ou >2% de perda de peso nos últimos 6 meses e sarcopenia. Ingestão reduzida de alimentos e inflamação sistêmica são comuns.
3 – Caquexia refratária: doença pró-catabólica, não responsiva ao tratamento anticancerígeno, baixa pontuação de desempenho e sobrevida esperada <3 meses.
Sarcopenia e caquexia: principais obstáculos da terapia nutricional
Infelizmente, a efetividade da terapia nutricional em pacientes com sarcopenia e caquexia é limitada por uma série de barreiras.
Sabe-se, por exemplo, que o apetite reduzido em pacientes com caquexia resulta, dentre outros motivos, do controle hipotalâmico alterado e dos sintomas descontrolados do câncer e seus tratamentos (dor, náusea, vômito, depressão e disgeusia, etc) (10). Isso pode dificultar, por exemplo, o consumo de suplementos nutricionais orais (SNO).
Ademais, quadros de alterações metabólicas são comuns, incluindo desregulação neuro-hormonal, gasto energético elevado e aumento do catabolismo (10).
Outras barreiras importantes incluem a intervenção de tratamentos convencionais como a quimioterapia, que reduz a absorção de nutrientes, dificultando o manejo nutricional (16).
Pacientes sarcopênicos com baixas reservas de energia são mais propensos ao comprometimento metabólico, o que retarda a recuperação do sistema digestivo e aumenta a carga do sistema imunológico, causando complicações mais graves (1).
Em um estudo envolvendo pacientes com câncer gástrico e sarcopenia, apesar da nutrição parenteral pré-operatória de curto prazo promover uma menor infecção intra-abdominal, o suporte não se associou a uma redução da taxa geral de complicações (1).
Entretanto, em outra pesquisa com pacientes com câncer avançado e caquexia, as diferenças nas taxas de sobrevivência entre grupos de nutrição enteral (n = 730), parenteral (n = 190) e controle (n = 533) foram significativas, com o menor risco de mortalidade no grupo de nutrição enteral (17).
Em todo caso, vale reforçar que o prejuízo dessas condições dificilmente é contido ou compensado apenas por meio de abordagens convencionais de suporte nutricional.
Sarcopenia e caquexia: quais as opções terapêuticas?
O tratamento atualmente recomendado para perda de massa e função muscular consiste em (2):
1) Treinamento de exercícios de resistência.
2) Otimização da ingestão proteica: para uma população adulta mais velha (> 65 anos), propõe-se um aumento na ingestão diária de proteínas (1 a 1,2 g/kg/dia; 1,2 a 1,5 g/kg/dia em caso de doença inflamatória), preferencialmente de proteínas de alta qualidade (proteína de soro de leite), contendo grandes quantidades de aminoácidos essenciais, como a leucina. Mais especificamente, 25 a 30 g de proteína de alta qualidade e até 3 g de leucina devem ser administrados em cada refeição.
3) Considerar suplementação nutricional oral (SNO) na presença de ingestão alimentar inadequada.
4) Tratamento da deficiência/insuficiência de vitamina D: a suplementação pode ser considerada (pelo menos 800 a 1.000 UI/dia), em caso de sarcopenia.
Principalmente na caquexia, a combinação adequada de nutrientes e agentes anti-inflamatórios é essencial (18). A utilização de suplementos enriquecidos com ácidos graxos ômega-3 está associada ao aumento do peso corporal e redução da perda muscular (11).
De qualquer forma, cabe ressaltar que o aumento no consumo nutricional, por si só, não reverte o desequilíbrio metabólico (19).
Em relação à terapia nutricional, a sarcopenia e a caquexia, isoladamente, não justificam a necessidade de suporte enteral ou parenteral. É necessário realizar uma avaliação do alcance das metas nutricionais, estado clínico e possibilidade de uso do trato gastrointestinal para indicar estas opções terapêuticas.
Segundo a ASCO (American Society of Clinical Oncology), não se deve oferecer rotineiramente terapia nutricional para controle da caquexia. Um teste de curto prazo de nutrição parenteral pode ser oferecido a pacientes com obstrução intestinal reversível, síndrome do intestino curto ou outros problemas que contribuem para má absorção. No entanto, mesmo nestes casos, os riscos, benefícios e custos devem ser discutidos (10).
Leia mais: O que você precisa saber sobre a indicação de nutrição parenteral
O que podemos concluir?
Muitas vezes negligenciadas, sarcopenia e caquexia são questões que precisam ser abordadas durante o acompanhamento de pacientes, em diversos quadros e faixas etárias.
Com isso, é possível reduzir o prejuízo à qualidade de vida e desfechos negativos provocados por essas condições. Ainda assim, é essencial considerar os desafios apresentados para estabelecer as melhores abordagens possíveis.
Referências:
1 – Becerril-Alarcón Y, Campos-Gómez S, Valdez-Andrade JJ, Campos-Gómez KA, Reyes-Barretero DY, Benítez-Arciniega AD, Valdés-Ramos R, Soto-Piña AE. Inulin Supplementation Reduces Systolic Blood Pressure in Women with Breast Cancer Undergoing Neoadjuvant Chemotherapy. Cardiovasc Ther. 2019 Jul 1;2019:5707150.
2 – Cereda E, Pisati R, Rondanelli M, Caccialanza R. Whey Protein, Leucine- and Vitamin-D-Enriched Oral Nutritional Supplementation for the Treatment of Sarcopenia. Nutrients. 2022 Apr 6;14(7):1524.
3 – Kirk B, Cawthon PM, Arai H, Ávila-Funes JA, Barazzoni R, Bhasin S, Binder EF, Bruyere O, Cederholm T, Chen LK, Cooper C, Duque G, Fielding RA, Guralnik J, Kiel DP, Landi F, Reginster JY, Sayer AA, Visser M, von Haehling S, Woo J, Cruz-Jentoft AJ; Global Leadership Initiative in Sarcopenia (GLIS) group. The Conceptual Definition of Sarcopenia: Delphi Consensus from the Global Leadership Initiative in Sarcopenia (GLIS). Age Ageing. 2024 Mar 1;53(3):afae052.
4 – Yazar T, Yazar HO. Prevalence of sarcopenia according to decade. Clin Nutr ESPEN. 2019;29:137-141.
5 – Parra BFCS, de Matos LBN, Ferrer R, Toledo DO. SARCPRO: Proposta de protocolo para sarcopenia em pacientes internados. BRASPEN J. 2019;34(1):58-63.
6 – Beaudart C, McCloskey E, Bruyère O, Cesari M, Rolland Y, Rizzoli R, et al. Sarcopenia in daily practice: assessment and management. BMC Geriatr. 2016;16(1):170.
7 – Shiozu H, Higashijima M, Koga T. Association of sarcopenia with swallowing problems, related to nutrition and activities of daily living of elderly individuals. J Phys Ther Sci. 2015;27(2):393-6.
8 – Cruz-Jentoft AJ, Bahat G, Bauer J, et al. Sarcopenia: revised European consensus on definition and diagnosis. Age Ageing. 2019;48(1):16-31.
9 – Lopes NC, et al. Sarc-Global: A New Sarcopenia Screening Tool in Older Adults. Nutrition. 2025.
10 – Roeland EJ, et al. Management of Cancer Cachexia: ASCO Guideline. J Clin Oncol. 2020;38(24):2438-2453.
11 – Arends J, Muscaritoli M, Anker S, Audisio R, Barazzoni R, Bosnjak S, Bossi P, Bowman J, Gijssels S, Krznarić Ž, Strasser F, Aapro M. Overcoming barriers to timely recognition and treatment of cancer cachexia: Sharing Progress in Cancer Care Task Force Position Paper and Call to Action. Crit Rev Oncol Hematol. 2023;185:103965.
12 – Yakovenko A, Cameron M, Trevino JG. Molecular therapeutic strategies targeting pancreatic cancer-induced cachexia. World J Gastrointest Surg. 2018 Dec 27;10(9):95-106.
13 – Park B, You S, Cho WCS, Choi JY, Lee MS. A systematic review of herbal medicines for the treatment of cancer cachexia in animal models. J Zhejiang Univ Sci B. 2019 Jan;20(1):9-22.
14 – Hendifar AE, Petzel MQB, Zimmers TA, Denlinger CS, Matrisian LM, Picozzi VJ, Rahib L. Precision Promise Consortium. Pancreas Cancer-Associated Weight Loss. Oncologist. 2019 May;24(5):691-701.
15 – Suzuki T, Palus S, Springer J. Skeletal muscle wasting in chronic heart failure. ESC Heart Fail. 2018 Dec;5(6):1099-1107.
16 – Marchiori MC, Genaro S. Alterações nutricionais associadas ao tratamento quimioterápico em pacientes com câncer. Colloquium Vitae. 2017 Jul;9(1):8-12.
17 – Amano K, Inoue S, et al. Effects of enteral nutrition and parenteral nutrition on survival in patients with advanced cancer cachexia: Analysis of a multicenter prospective cohort study. Clin Nutr. 2021;40(3):1168-1175.
18 – Tanaka K, Nakamura S, Narimatsu H. Nutritional Approach to Cancer Cachexia: A Proposal for Dietitians. Nutrients. 2022;14(2):345. Disponível em: https://www.mdpi.com/2072-6643/14/2/345. Acesso jan. 2023.
19 – Baker Rogers J, Syed K, Minteer JF. Cachexia. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2022 Jan-. Atualizado em 2022 Aug 8.

