Perda muscular em pacientes hospitalizados: como a nutrição pode ajudar?
Os músculos são as estruturas que nos dão força para realizar movimentos como andar, correr ou simplesmente levantar um copo d’água. Eles também são responsáveis pela sustentação da coluna quando ficamos em pé ou nos sentamos; regulam o volume dos órgãos; controlam a movimentação de substâncias dentro do organismo (como o sangue nas artérias); e produzem o calor que ajuda a manter a temperatura corporal.
Portanto, garantir a saúde do sistema muscular é fundamental para a própria manutenção da vida.
Essa garantia, porém, fica em risco durante os períodos em que um paciente é hospitalizado. Seja por consequência de uma doença específica ou devido à imobilidade e desnutrição adquiridas durante a internação, existe um risco elevado de perda de massa, força e qualidade muscular em pacientes hospitalizados1.
Esse processo é conhecido como sarcopenia e é diagnosticado em 13% a 24% dos indivíduos entre 65 e 70 anos de idade, e mais de 50% dos idosos acima de 80 anos1.
Por isso, é fundamental realizar avaliação nutricional e adotar medidas precoces como forma de reduzir ou evitar esse quadro. A perda muscular está associada a complicações, desfechos clínicos negativos e pode aumentar significativamente o tempo de internação, bem como os custos hospitalares1.
Entenda a seguir porque a perda muscular ocorre e quais são as soluções, do ponto de vista nutricional, na prevenção e combate ao problema.
Risco nutricional em pacientes hospitalizados
Um estudo brasileiro indica que pacientes com um período de internação superior a 15 dias apresentaram maior risco nutricional, pois tendem a perder mais peso. Nesse quadro as deficiências nutricionais costumam estar relacionadas a um dos seguintes fatores:
- Baixa ingestão alimentar;
- Redução da biodisponibilidade de nutrientes por causa de vômitos, diarreias, fístulas ou uso prolongado de antibióticos;
- Aumento da necessidade de nutrientes decorrente de doenças, a exemplo do câncer2.
Dessa forma, a intervenção nutricional pode ser fundamental para alterar o prognóstico do paciente. A via oral sempre é preferida, no entanto, dificuldades de mastigação e deglutição, inapetência e aumento da necessidade energética podem demandar medidas suplementares, ou de substituição, que garantam a nutrição mais adequada5.
Portanto, a utilização de recursos como aconselhamento nutricional, suplementação oral, nutrição enteral ou nutrição parenteral deve ser avaliada caso a caso.
O que é perda muscular ou sarcopenia?
A sarcopenia é uma desordem progressiva e generalizada caracterizada pela perda de massa, força e qualidade muscular, juntamente com deterioração funcional, segundo o Consenso Europeu de Sarcopenia. Ela está associada à maior probabilidade de quedas, fraturas, incapacidade física e mortalidade3.
A desordem pode ser classificada como primária, quando não tem uma causa específica e é relacionada apenas ao avanço da idade (leia abaixo, neste texto, sobre perda muscular em idosos)3.
Ou pode ser considerada secundária, quando é consequência de uma doença, imobilidade e ingestão inadequada de calorias, proteínas ou outros nutrientes, comum durante as internações hospitalares.
Causas da sarcopenia3
Envelhecimento | Perda muscular associada à idade |
Doença | Condições inflamatórias (ex.: falência dos órgãos, câncer) Osteoartrite Desordens neurológicas |
Inatividade | Sedentarismo (mobilidade reduzida, paciente acamado) Inatividade física |
Nutrição inadequada |
Desnutrição ou má absorção Anorexia relacionada a medicamentos Super nutrição/obesidade |
Perda muscular em pacientes hospitalizados
Idosos
Durante o envelhecimento ocorrem mudanças fisiológicas, metabólicas e na funcionalidade do corpo humano que repercutem sobre o estado nutricional, como:
- Diminuição da taxa metabólica basal;
- Alteração da composição corporal;
- Alterações no sistema digestivo e na percepção sensorial;
- Diminuição da sensibilidade à sede3.
As principais alterações na composição corporal que afetam o estado nutricional são a perda de massa muscular e óssea. Elas podem ser agravadas pela ingestão inadequada de proteínas, inatividade física e uso concomitante de quatro ou mais medicamentos, que, por sua vez, diminui a absorção de nutrientes e aumenta o risco de desnutrição, declínio funcional e quedas4.
Sendo assim, todo paciente idoso hospitalizado precisa de avaliação nutricional precoce.
A intervenção nutricional sempre é feita considerando todos os fatores relacionados ao quadro do paciente e as condições específicas da idade.
Sabe-se, por exemplo, que o tecido muscular nos idosos é menos eficiente para a síntese proteica, sendo necessária maior ingestão para estimular a musculatura esquelética4.
Confira algumas das recomendações da Diretriz Braspen de terapia nutricional no envelhecimento:
- A adoção de programas de exercícios físicos de hipertrofia combinados com uma ingestão dietética adequada é indicada para reduzir a perda muscular;
- A necessidade energética de idosos com desnutrição ou em risco nutricional, durante períodos de intervenção com exercícios físicos, é de 32 a 38 Kcal por kg ao dia;
- A necessidade de proteína deve ser de 1,2 a 1,5g por kg ao dia;
- As proteínas ofertadas em uma refeição líquida são mais eficientes que proteínas em refeição sólida;
- A proteína do soro do leite (whey protein) é recomendada por ter boa digestibilidade, absorção e disponibilidade de aminoácidos pós-prandial, além de ser rica em leucina, que ajuda na manutenção da massa muscular e na cicatrização de ossos fraturados;
- O consumo de múltiplas fontes de proteínas, vegetais e animais, fornece uma ampla variedade de macro e micronutrientes, fibras e compostos bioativos, que são particularmente mais importantes para idosos acima de 85 anos5.
Pacientes oncológicos
Entre os pacientes com câncer, o índice de desnutrição chega a 66,4%, de acordo com o Inquérito Brasileiro de Nutrição Oncológica Esse é um fator que demanda muita atenção porque aumenta o risco de hospitalização prolongada, toxicidade, morbimortalidade e piora da qualidade de vida.
A desnutrição pode prejudicar ou mesmo inviabilizar os tratamentos contra o câncer, pois muitos medicamentos quimioterápicos são metabolizados no tecido muscular. O estudo afirma que de 20% a 40% das mortes de pacientes com câncer são secundárias à desnutrição9.
Por isso, a intervenção nutricional nesses pacientes é fundamental. Indivíduos com neoplasias e/ou tratamentos que interferem na ingestão alimentar estão ainda mais sujeitos a comprometimentos do estado nutricional1.
UTI
A fraqueza muscular adquirida na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) é uma das complicações mais comuns entre pacientes internados em estado grave e suas consequências podem durar até cinco anos após alta hospitalar. Essa fraqueza ocorre pela reunião de condições como sedação, uso de ventilação mecânica e em imobilidade prolongada em um leito de UTI.
Intervenções que incluem mobilização e nutrição adequada tendem a reduzir os índices de complicação em pacientes críticos.
O organismo utiliza as proteínas provenientes da dieta para melhorar o balanço nitrogenado (que passa de negativo a positivo quanto maior é a oferta proteica). A via de administração, sua qualidade e a absorção também interferem na entrega do nutriente à musculatura1.
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COVID-19
O Hospital Sírio Libanês realizou estudos com pacientes críticos infectados pelo novo coronavírus e chegou à conclusão de que pode-se perder até 2% de massa muscular por dia de internação em UTI.
Ou seja, se uma pessoa ficar vários dias na terapia intensiva, pode chegar a perder 10% de massa muscular. Trata-se de uma perda extremamente perigosa porque aumenta o risco desses pacientes contraírem outras infecções, além de terem comorbidades agravadas6.
O hospital também verificou que pacientes em pós-operatório com mais massa muscular têm menos riscos de contrair outras doenças, incluindo a COVID-198.
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Referências
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PARRA, B. F. C. S. et al. SARCPRO: Proposta de protocolo para sarcopenia em pacientes internados. BRASPEN J. 2019; 34 (1): 58-63. Disponível em: http://arquivos.braspen.org/journal/jan-fev-mar-2019/artigos/7-AO-SARCPRO.pdf. Acesso em: 24 jun. 2021.
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DUARTE, A. et al. Risco nutricional em pacientes hospitalizados durante o período de internação. Nutr. clín. diet. hosp. 2016; 36(3):146-152. Disponível em: https://revista.nutricion.org/PDF/duarte.pdf. Acesso em: 24 jun. 2021.
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Cruz-Jentoft, A. J. Sarcopenia: revised European consensus on definition and diagnosis. Age and Ageing v.48 i.1 jan 2019 16–31. Disponível em: https://academic.oup.com/ageing/article/48/1/16/5126243. Acesso em: 24 jun. 2021.
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ARRUDA, N. B. M. et al. Associação entre o tempo de internação e indicadores de massa muscular em idosos hospitalizados. Brazilian Journal of Development. Curitiba, v. 6, n. 4, p. 21832-21847, apr. 2020. Disponível em: https://www.brazilianjournals.com/index.php/BRJD/article/view/9296/7853. Acesso em: 24 jun. 2021.
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Gonçalves T. J. M. et al. Diretriz BRASPEN de terapia nutricional no envelhecimento. 3º Suplemento Diretrizes BRASPEN de Terapia Nutricional 2019 v.34. 2-58. Disponível em: https://nutritotal.com.br/pro/wp-content/uploads/sites/3/2019/11/Material-1-diretriz-TN-no-envelhecimento.pdf. Acesso em: 24 jun. 2021.
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HOSPITAL SÍRIO LIBANÊS. Coronavírus: confira o que os especialistas do Hospital Sírio-Libanês já falaram na imprensa sobre o novo coronavírus. Disponível em: https://www.hospitalsiriolibanes.org.br/coronavirus/Paginas/noticias-30-09-2020.aspx#:~:text=Estudo%20do%20Hospital%20S%C3%ADrio%2DLiban%C3%AAs,imobiliza%C3%A7%C3%A3o%20para%20a%20respira%C3%A7%C3%A3o%20mec%C3%A2nica. Acesso em: 24 jun. 2021.
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MEIRA, P. Desperdício catabólico: caquexia e sarcopenia. Jan. 2019. Disponível em: http://www.paulomeira.com.br/2019/01/29/desperdicio-catabolico-caquexia-e-sarcopenia-2/. Acesso em: 24 jun. 2021.
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CNN. Quadro grave de Covid-19 causa perda de massa muscular, apontam estudos. 23 set. 2020. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/saude/2020/09/23/quadro-grave-da-covid-19-causa-perda-de-massa-muscular-apontam-estudos. Acesso em: 05 ago. 2021.
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Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Inquérito Brasileiro de Nutrição Oncológica. 136p. Rio de Janeiro: INCA, 2013. Disponível em: https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files//media/document//inquerito-brasileiro-nutricao-oncologica.pdf. Acesso em: 05 ago. 2021.