Qual é a recomendação de lipídios para pacientes em terapia nutricional enteral
Com uma densidade energética de aproximadamente 9 kcal/g, os lipídios são ótimas fontes calóricas. Também são a principal forma de armazenamento de energia no corpo humano.
Não é à toa que, junto com as proteínas e os carboidratos, eles são considerados macronutrientes essenciais para qualquer dieta balanceada.
Dessa forma, os lipídios também estão presentes na nutrição enteral – opção terapêutica utilizada quando a alimentação oral não é adequada ou não é possível para o paciente, como casos de dificuldade para engolir e de risco de aspiração dos alimentos.
A Associação Médica Brasileira preconiza que pacientes em condições normais que necessitem de terapia enteral exclusiva recebam formulações com 20% a 35% de seu volume em lipídios. A diretriz afirma também que não se deve ultrapassar 2,5g/kg/dia para minimizar o risco de complicações metabólicas.
Essas proporções, no entanto, podem ser alteradas de acordo com o estado clínico do paciente e suas necessidades médicas e nutricionais1.
Por isso, conhecer essas condições é fundamental para optar pelas formulações enterais mais adequadas para cada pessoa, que apresentem melhor custo-benefício, potencializem a resposta do organismo e ampliem as possibilidades de sucesso na terapia nutricional.
Propriedades funcionais e metabólicas dos lipídios
- Fornecimento e estoque de energia com alta densidade calórica;
- Produção de hormônios;
- Composição de estruturas celulares (ex.: membrana fosfolipídica);
- Veículos para transportar vitaminas lipossolúveis;
- Fornecem ácidos graxos essenciais (ômega 6 e ômega 3);
- Proteção mecânica aos ossos e órgãos;
- Proteção térmica do organismo;
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Papel dos lipídios em terapia enteral
Lesão por pressão
Um dos fatores que preocupam cuidadores de pacientes acamados ou com baixa mobilidade é o surgimento de lesões por pressão. Além do desconforto que provocam, elas podem ser portas abertas para infecções, especialmente em idosos, que apresentam maior fragilidade da pele e dificuldade de cicatrização2.
A terapia nutricional é fundamental para fornecer a matéria-prima para recuperar o tecido da pele – e os lipídios entram nessa força-tarefa. Um estudo feito com pacientes em uso de dieta enriquecida com os lipídios ácido eicosapentaenoico e ácido gamalinolênico, além das vitaminas A, C e E, verificou que houve menor número de novas lesões por pressão e estabilização na evolução das lesões pré-existentes2,7.
Diabetes
O uso de fórmulas enterais especializadas para diabetes mellitus vem sendo adotado cada vez mais e com evidências de melhor controle glicêmico e menor necessidade diária de insulina. Para atingir esse resultado, além de modificações no teor e características dos carboidratos e de aumento de fibras, essas formulações especializadas apresentam maior proporção de gorduras totais. Essas fórmulas têm sido desenvolvidas com maiores teores de ácidos graxos monoinsaturados e menores de ácidos graxos poli-insaturados e saturados5,6.
Com essa composição, o objetivo é reduzir a velocidade com que o alimento é digerido, aumentar a absorção de nutrientes e diminuir as chances de haver hipoglicemia ou hiperglicemia (queda ou aumento bruscos nos níveis de glicose no sangue). Segundo a Sociedade Brasileira de Diabetes, essa opção reduz a mortalidade e os gastos hospitalares na UTI5,6,8.
Pneumopatas
Fórmulas enterais com menores quantidades de carboidratos e maiores de lipídios também são favoráveis para casos de falência pulmonar crônica. Como a recomendação para esses pacientes é restringir o volume de fluidos, uma dieta rica em lipídios consegue entregar as calorias necessárias com maior densidade. Assim, busca-se melhorar a função dos músculos que controlam a respiração, prevenir a produção excessiva de gás carbônico e prevenir ou encurtar o tempo de dependência da ventilação mecânica5.
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Lipídios imunomoduladores
Alguns lipídios merecem atenção especial por serem imunomoduladores – ou seja, nutrientes que auxiliam a resposta imunológica e diminuem o processo inflamatório. O ácido graxo ômega 3 é um lipídio que tem esse papel4.
Ômega 3 na oncologia
O ômega 3 vem sendo investigado por seu potencial terapêutico no combate a alguns tipos de câncer9. Apesar de serem necessárias pesquisas mais aprofundadas, há indícios de que a suplementação de ômega 3 é benéfica em pacientes oncológicos com anorexia e perda de peso, reduzindo a perda proteica. As diretrizes da Sociedade Europeia de Nutrição Clínica e Metabolismo (Espen) para pacientes oncológicos discutem o uso de ômega 3 para o tratamento de caquexia do câncer3,10.
Ômega 3 e caquexia
A caquexia é uma condição em que o paciente apresenta perda de peso intensa (e involuntária), ficando exposto à desnutrição e a prejuízos da perda de massa muscular e lipídica. Segundo a Sociedade Brasileira de Nutrição Enteral e Parenteral, a conduta nutricional de pacientes com caquexia deve se basear em uma dieta hipercalórica e hiperproteica na tentativa de estabilizar ou recuperar o estado nutricional. Os estudos com ômega 3 para esses casos ainda são controversos e eventuais suplementações devem ser avaliadas com cautela4.
Ômega 3 na recuperação de cirurgias
O ômega 3, associado a outros nutrientes com função imunológica (como arginina e nucleotídeos) é recomendado para uso por via enteral no preparo e após cirurgias de médio e grande porte. Existe nível de evidência moderado para fórmulas hiperproteicas com imunonutrientes (arginina, ácidos graxos ômega-3 e nucleotídeos), por via oral ou enteral, na quantidade mínima de 500ml/dia no período perioperatório, iniciando de 5 a 7 dias antes da cirurgia. Com essa conduta, visa-se reduzir complicações e o tempo de permanência hospitalar4.
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Referências
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Recomendações Nutricionais para Adultos em Terapia Nutricional Enteral e Parenteral. Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral; Sociedade Brasileira de Clínica Médica; Associação Brasileira de Nutrologia. 2011. Disponível em: http://www.projetodiretrizes.org.br/9_volume/recomendacoes_nutricionais_de_adultos_em_terapia_nutricional_enteral_e_parenteral.pdf. Acesso em: 24 jun. 2021.
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