Como identificar deficiências de micronutrientes? Confira os principais pontos a serem considerados
A presença de deficiências de micronutrientes, sobretudo de alguns oligoelementos, pode prejudicar uma série de funções do organismo. Muitos processos orgânicos dependem de quantidades adequadas deles, bem como da combinação de tais elementos1.
Dessa forma, a introdução dos micronutrientes na nutrição parenteral ou em administração endovenosa isolada pode ser essencial para prevenir ou corrigir esses estados de deficiência2. Isso tende a ser indispensável para manter o metabolismo normal dos macronutrientes e a defesa antioxidante, além de contribuir na promoção da cicatrização de feridas e auxiliar o sistema imunológico 2,3,.
Todavia, reconhecer a importância de corrigir tais deficiências não impede que haja alguns obstáculos. O principal deles, talvez, seja a própria identificação da deficiência. Como aponta o posicionamento da Braspen (Sociedade Brasileira de Nutrição Enteral e Parenteral) sobre o tema, dosar e monitorar a concentração de micronutrientes no organismo nem sempre é uma tarefa fácil1.
Em que situações a administração de micronutrientes pode ser recomendada?
O mesmo documento da Braspen sugere que indivíduos recebendo nutrição parenteral em UTI, ocasionalmente, devem receber multivitamínicos e oligoelementos diariamente para conter a deficiência de micronutrientes1. Adicionalmente, pacientes mais graves podem demandar doses maiores desses componentes, seja como parte da nutrição parenteral, seja de forma isolada4.
Em pacientes que não estão recebendo nutrição parenteral, certas condições podem exigir uma reposição de maneira mais imediata. Ou seja, nesses muitos casos, a administração endovenosa isolada de microelementos se faz necessária.
Por isso é que os profissionais responsáveis pelo acompanhamento de pacientes em diferentes circunstâncias (incluindo unidades de terapia intensiva, por exemplo) devem estar cientes de que várias situações tornam mais comum a deficiências de micronutrientes1.
Entre exemplos disso estão situações que levam à perda excessivas desses elementos. Isso é frequente em pacientes com grandes queimaduras, com fístulas digestivas, drenos e estomias de alto débito ou ainda naqueles submetidos à hemodiálise contínua1. Ao mesmo tempo, outras circunstâncias podem provocar aumento da demanda por tais elementos. É o caso de pacientes com traumas de grande porte1,4.
Por fim, alguns quadros podem alterar a absorção dos micronutrientes. Entre as situações que ilustram isso estão ressecções do trato gastrointestinal, desvios do trânsito ou doenças inflamatórias intestinais2,4 (para mais informações, consultar infográfico).
Ainda assim, é sempre importante ressaltar que identificar as deficiências e necessidades de micronutrientes é uma tarefa exigente1. Muitas das técnicas laboratoriais utilizadas para tal fim são caras, complexas e com resultados demorados. Além disso, alternativas mais acessíveis, nem sempre refletem o estado real de determinado micronutriente no organismo1.
Junto a tudo isso, é preciso sempre ter em mente que as variáveis de cada situação podem exigir diferentes aportes na promoção da manutenção da boa condição nutricional do paciente.
Saiba mais: A importância dos oligoelementos na nutrição parenteral
De que forma situações específicas podem levar à deficiência de micronutrientes?
Um exemplo dessas variáveis são as condições nutricionais de pacientes que passam por cirurgias do trato gastrointestinal (TGI). Como cada nutriente é absorvido em determinado trecho do TGI, a ressecção ou a preservação de cada um dos segmentos pode provocar déficits de elementos específicos1. Essas alterações podem ser identificadas pela equipe multiprofissional de terapia nutricional responsável pelo acompanhamento do paciente cirúrgico.
Como exemplo disso, sabe-se que a ressecção do duodeno e do jejuno proximal tem o potencial de provocar deficiências de oligoelementos como o zinco e o cobre5. Enquanto isso, a ressecção gástrica prejudica a absorção do ferro, cobre e de uma série de vitaminas5.
Outro fator específico capaz de influenciar na deficiência de micronutrientes no paciente cirúrgico submetido a intervenções no TGI é a resposta endócrina metabólica ao trauma1.
Por conta disso, pode haver uma redistribuição dos micronutrientes devido à influência das citocinas pró-inflamatórias (normalmente em vigência de um PCR elevado)6,7. Complicações decorrentes do procedimento, como fístulas, vômito e diarreia podem também acelerar a deficiência de nutrientes específicos (como selênio e ferro)8,9,10 .
Como já ressaltado, várias consequências estão atreladas às deficiências de micronutrientes. Entre elas estão a má cicatrização, sinais de fraqueza muscular, resposta imunológica inadequada e outras disfunções orgânicas1.
Que armadilhas podem estar escondidas em exames para a rastrear deficiências de micronutrientes?
A utilização de testes sanguíneos costuma ser um recurso bastante empregado para avaliar a quantidade de micronutrientes no organismo em nossa prática clínica11. No entanto, o emprego dessas técnicas pode esconder algumas armadilhas capazes de confundir os profissionais diante dos resultados encontrados, inclusive quando são comparados resultados de diferentes laboratórios11.
É preciso considerar, por exemplo, que para alguns oligoelementos (como o selênio), tanto a análise do plasma e do soro sanguíneo reflete mudanças recentes na ingestão alimentar11. Contudo, medições de sangue total e de contagem de glóbulos vermelhos podem apontar uma trajetória de longo prazo com mais precisão, com menor influência da alimentação recente 12,13.
De forma paralela, para determinados micronutrientes a análise da contagem de glóbulos vermelhos no plasma ou soro demora mais para responder à intervenção aplicada. Essa lacuna de tempo é explicada por conta do período necessário para a síntese de novas células vermelhas11.
Portanto, em algumas circunstâncias, essas medições a partir do plasma/soro são de valor limitado. Nem sempre há concordância entre a concentração dos elementos no plasma e na forma intracelular11. Outro ponto importante que merece a atenção é a forma como respostas metabólicas às doenças, lesões e infecções alteram os resultados de exames11.
O grau dessas modificações pode variar de acordo com a intensidade da resposta inflamatória, com reflexos sobre os testes sanguíneos11. O indicador mais conhecido desse tipo de alteração é a proteína C Reativa (ou somente PCR). É possível notar que como nessas circunstâncias há uma redistribuição da maioria dos micronutrientes no organismo13. Assim, análises funcionais (como da glutationa peroxidase) tendem a ser mais confiáveis11.
Em suma, a deficiência de micronutrientes ainda é um assunto que caminha na penumbra1. Enquanto sabemos da importância da complementação desses elementos em função das consequências da deficiência, em muitas situações a forma adequada de identificar e manejar a condição ainda é incerta1. Logo, com o tempo, a expectativa é de que haja mais informações e evidências para que isso seja feito com mais segurança e efetivdade1.
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Referência:
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