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Cuidados nutricionais em pacientes obesos com Covid-19

A obesidade é reconhecidamente um fator de risco para as formas graves da Covid-19. 1, 2, 3, 39, 40, 47, 48 E um fator importante no cuidado com os pacientes obesos infectados pelo vírus SARS-CoV-2 é a abordagem nutricional.

Como se sabe, a desnutrição aumenta a suscetibilidade a infecções, reduz a resposta imunológica e torna o paciente obeso mais propenso a desfechos negativos, especialmente no caso de doentes críticos.

Tendo esse contexto em vista, a Sociedade Europeia de Nutrição Enteral e Parenteral (Espen) publicou um guia prático para o manejo nutricional de pacientes obesos com Covid-19.1

Neste artigo, trazemos alguns dos principais pontos apresentados e discutidos na publicação.

 

Desnutrição e Covid-19

A desnutrição tem um impacto negativo sobre as funções imunológica, muscular, respiratória e cardíaca,4,5,6 favorecendo quadros de infecção e superinfecção7.

A perda de massa muscular esquelética causada pela desnutrição pode levar à má qualidade de vida e morbidade, mesmo muito tempo após a alta hospitalar. 8, 9, 10, 11, 27, 33

As evidências em pacientes acometidos pela Covid-19 têm demonstrado:

  • alta prevalência de desnutrição na admissão hospitalar;12, 13, 14, 15, 49, 50, 51
  • impacto negativo da desnutrição no prognóstico da Covid-19;12, 13, 14, 15, 16
  • impacto negativo do Covid-19 no peso de pacientes hospitalizados e não hospitalizados.17

 

Obesidade e Covid-19

Pacientes obesos frequentemente apresentam transtornos metabólicos como hipertensão, resistência à insulina, hiperglicemia e diabetes tipo 2. Juntos, eles formam a síndrome metabólica.18, 19, 28

Pessoas obesas com complicações metabólicas podem desenvolver uma resistência anabólica muscular e um catabolismo exacerbado.20 Assim, têm alto risco de perda de massa e função muscular esquelética, principalmente se forem idosos.21

A diminuição da síntese proteica muscular é causada por baixa resposta a estímulos anabólicos, em conjunto com um baixo grau de inflamação (que compromete a função imunológica22), desuso muscular23 e aumento da gordura intramuscular.24

É importante lembrar ainda que a deficiência de micronutrientes é comum em pessoas obesas, aumentando a chance de desnutrição e levando a maior risco de infecção e perda de massa muscular esquelética.25, 26

 

Ingestão calórica e proteica

O cálculo da energia e da proteína necessárias para pacientes obesos nem sempre é simples. Uma possibilidade recomendada é utilizar o peso corporal ajustado (ABW).27

Essa medida permite um ajuste gradual de oferta energética por faixas de Índice de Massa Corporal (IMC), além de fornecer doses de proteínas adequadas para estimular o anabolismo do músculo esquelético.1

A seguir temos as recomendações para o paciente obeso com Covid-19 e desnutrido ou em risco de desnutrição:

  • Requisitos de proteína: > 1 g/ kg ABW/ dia1
  • Necessidades calóricas: 25 kcal/ kg ABW/ dia1

 

Também é importante evitar que o suporte nutricional cause ou piore a hiperglicemia, que está associada a desfechos negativos e mais graves em pacientes com Covid-19 não criticamente enfermos.28, 29, 30 Nesse sentido, uma possibilidade é optar por fórmulas enterais para pessoas com diabetes, que têm mostrado melhorar a hiperglicemia.31, 32

Outro ponto de destaque é a escolha dos lipídios. Os ácidos graxos PUFA têm ação reconhecida sobre a inflamação e coagulação. Por isso, pode ser interessante preferir dietas que priorizem alta ingestão de ômega 3.8, 27, 33

Leia também: Qual é a recomendação de lipídios para paciente em terapia nutricional enteral

 

Ingestão calórica e proteica na UTI

A definição ideal das necessidades de energia em UTI deve ser baseada na medição direta por calorimetria indireta.34 Na ausência dessa possibilidade, deve-se seguir as Diretrizes para UTI Espen 2019, com alimentação hipocalórica (até 70% de necessidades estimadas) nos primeiros 3 a 7 dias de UTI.27

Os alvos proteicos ideais também podem ser guiados pelo balanço de nitrogênio (que avalia perdas de proteína e, portanto, as necessidades).27 Quando isso não for possível, as recomendações de proteínas fornecidas nas diretrizes da Espen UTI devem ser seguidas, fornecendo pelo menos 1,3 g/ kg ABW/ por dia.27, 35

A fórmula nutricional para pacientes de UTI deve fornecer alta densidade calórica (1,5 kcal/ mL) e alto teor de proteína27 e deve-se evitar a variabilidade da glicemia.1

 

Micronutrientes

Diversos estudos já demonstraram a relação entre o equilíbrio de micronutrientes e a imunidade. Baixa ingestão ou baixo nível circulante de determinadas vitaminas e minerais estão associados a resultados clínicos adversos durante infecções virais.36 É possível que essa relação também se aplique à Covid-19.1

Assim, a Espen recomenda que as necessidades diárias de ingestão de micronutrientes sejam garantidas a todos os pacientes hospitalizados com Covid-19, particularmente a pessoas com obesidade.1

 

Cuidados na internação

Diante desse cenário, pacientes obesos e desnutridos precisam de atenção nutricional, preferencialmente com início de terapia nutricional precoce dentro de 24-48 horas da admissão.37, 38

O objetivo é preservar a massa muscular,8 que é o principal reservatório de proteínas do organismo, pois a maior gravidade da doença na internação pode implicar em respostas inflamatórias catabólicas mais intensas, menor ingestão alimentar e mais chance de se manter acamado.1

 

Cuidados na UTI

Pacientes com Covid com qualquer grau de obesidade têm um risco significativamente maior de admissão em UTI, ventilação mecânica ou morte em comparação com pacientes não-obesos.2, 3, 39, 40, 41

Há orientações específicas para pacientes que precisam de cuidados intensivos, dependendo de cada necessidade.1

Pré-intubação

  • A suplementação oral ou nutrição enteral (NE) deve ser implementada para atingir as metas de proteína e energia; A nutrição parenteral (NP) deve ser considerada se as terapias nutricionais oral e enteral forem contraindicadas ou insuficientes ou se houver risco de aspiração.1
  • A NE pode ser desafiadora durante o suporte respiratório não invasivo.42 No entanto, um novo dispositivo de máscara que permite a introdução de uma sonda nasogástrica tem sido testado com sucesso e pode ser considerado.43

 

Intubação

  • A NE deve ser iniciada para atingir gradualmente as metas de energia ao mesmo tempo em que garante a administração de fórmula hiperproteica.1
  • A posição prona não representa uma limitação ou contraindicação para NE também nos obesos.1
  • Devido ao alto risco de perda de massa muscular esquelética, as pessoas com obesidade devem ser mobilizadas e/ou realizar atividade física controlada durante a permanência na UTI.1
  • Hipoxemia e hipercapnia graves são contraindicações ao suporte nutricional.1
  • NP pode ser utilizada em pacientes que não conseguem usar a via enteral ou não atingem suas metas nutricionais ao final da primeira semana. Também é usada em caso de diarreia grave.1
  • O uso de oxigenação por membrana extra corpórea (ECMO) não é uma contraindicação à NE, mas não deve ser administrada em pacientes em choque ou disfunção gastrointestinal grave.44

 

Pós-intubação

  • A nutrição oral deve ser reintroduzida para atingir as metas nutricionais após a extubação.1
  • A disfagia é um risco, principalmente em adultos mais velhos e após intubação prolongada, comum em pacientes com Covid-19.45
  • Nesse caso, pode-se alterar a textura da dieta ou, quando houver risco de aspiração, iniciar NE.46 Se NE não for possível (por exemplo, se a reabilitação para deglutição precisa que a sonda seja retirada), NP temporária pode ser considerada.46