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Paciente com câncer pancreático e Covid-19 candidato à cirurgia: um estudo de caso sobre questões nutricionais

O estado nutricional na oncologia também desempenha papel relevante na recuperação adequada de uma condição crítica. Pensando nisso, vamos trazer neste post alguns dos principais pontos discutidos em um estudo de caso feito com um paciente com câncer pancreático e Covid-19. Depois do diagnóstico, ele tinha a indicação cirúrgica para uma pancreatectomia total.

O artigo em questão foi publicado em julho de 2021 no Journal of Parenteral e Enteral Nutrition. Sua elaboração se deu a partir da opinião de especialistas em um painel sobre o tema.

 

A evolução do paciente câncer pancreático e Covid-19

Histórico

O paciente cujo caso foi relatado no artigo1 era um homem de 66 anos. Ele apresentava diabetes tipo 2 (diagnosticado nos anos 1990), doença arterial coronariana (com histórico de cirurgia prévia), hipertensão, dislipidemia (hiperlipidemia) e refluxo gastroesofágico.

Queixa notada

Em meados de 2020, esse paciente apresentou desconforto respiratório e diarreia. Posteriormente, um quadro de Covid-19 foi confirmado por meio de exame laboratorial.

Exames e diagnóstico

Em ressonância magnética foi identificada uma lesão de 1,8 cm por 1,6 cm no pâncreas e um nódulo de 6 mm, também na estrutura da glândula. No mais, foi notada uma infiltração gordurosa na região.

Após uma biópsia, foi constatada a presença de um tumor neuroendócrino (ou seja, que atinge as células do sistema endócrino).

Tratamento

Mediante a avaliação de um cirurgião, foi indicada uma pancreatectomia total.

Estado Nutricional

O paciente tinha Índice de Massa Corporal (IMC) de 32 kg/m2 e relatava redução na ingestão alimentar. Paralelamente, houve uma perda de peso não intencional mais de 20 kg nos últimos 2 meses.  Náuseas frequentes, saciedade precoce e diarreia estavam entre os sintomas que justificavam o risco nutricional.

 

Avaliação e impacto da Covid-19 sobre o estado nutricional

De forma geral, foi recomendado que a avaliação do estado nutricional do paciente em questão não utilizasse o IMC. Considerando apenas esse referencial, seria constatado um quadro de obesidade, o que poderia mascarar a real situação do paciente do estudo.

Por outro lado, a perda de peso nos últimos dois meses seria um reflexo mais importante da condição nutricional no contexto apresentado. Os sintomas sugestivos de prejuízo nutricional poderiam também ser uma referência importante para uma possível evolução de um quadro de desnutrição1.

 

A aplicação dos critérios GLIM

Recentemente a Aspen (American Society for Parenteral and Enteral Nutrition), a Felanpe (Federación Latino Americana de Terapia Nutricional, Nutrición Clínica y Metabolism), a Pensa (The Parenteral and Enteral Nutrition Society of Asia) e a Espen (European Society for Clinical Nutrition and Metabolism) estabeleceram novas recomendações para o diagnóstico da desnutrição.

Tal ação conjunta recebeu o nome de GLIM – Global Leadership Initiative on Malnutrition (ou Iniciativa Global de Liderança sobre Desnutrição, em tradução livre)2.

Para atingir seus objetivos, esses critérios utilizam parâmetros etiológicos (como redução da ingestão) e fenotípicos (como perda de peso não voluntária) para diagnosticar a desnutrição2.

Ou seja, em um contexto em que o paciente do estudo de caso apresenta redução do apetite, náuseas e diminuição da ingestão de alimentos, entre outros sinais e sintomas, ele atende aos critérios das orientações do protocolo GLIM para desnutrição, mesmo que o IMC sugira outra coisa1.

Ainda assim, pode ser importante analisar a composição corporal para avaliação da massa magra desse paciente com o auxílio de uma bioimpedância ou uma tomografia computadorizada, se disponível1.

No mais, é preciso considerar como a infecção pelo Sars-Cov-2 pode ter influenciado no estado nutricional desse paciente. Embora haja evidências para sustentar que a perda de massa muscular possa ter sido acelerada pela reação do organismo ao vírus (uma massiva reação inflamatória), há uma lacuna de conhecimento sobre o tema (inclusive levando em conta o tipo de câncer diagnosticado).

De todo modo, a associação da redução da ingestão alimentar, caquexia e a própria imobilização condicionada pela doença são fatores classicamente contribuintes1,3.

 

Manejo nutricional antes e depois da cirurgia

No caso em questão, o paciente parecia apresentar um perfil de alto risco para o procedimento cirúrgico recomendado. Isso se explica por conta do estado nutricional, pelo quadro inflamatório (inclusive devido à Covid-19) e pelas características em si do tumor.

Diante disso, o manejo nutricional deveria, assim que possível, fornecer meios para que fosse viável preservar massa magra antes da cirurgia – o que é chamado de pré-habilitação cirúrgica.

Além disso, cinco dias antes do procedimento, fórmulas imunomoduladoras poderiam ser fornecidas. Há várias evidências que sustentam tal abordagem, inclusive aquelas utilizando ômega-3, como mostram metanálises sobre o tema4. Muitos componentes da pré-habilitação foram utilizados no caso do paciente apresentado no estudo de caso.

De qualquer maneira, em casos como o apresentado, a possibilidade de postergar o procedimento deve ser sempre levantada, considerando o equilíbrio entre atrasar a cirurgia e garantir uma melhoria no estado nutricional.

Tal escolha também envolve contornar possíveis prejuízos à recuperação por conta do estado inflamatório, que tende a ser acentuado pela cirurgia em si1. Tal ponderação deve ser sempre tema de debate entre médicos e nutricionistas responsáveis pelo acompanhamento de pacientes cirúrgicos.

Veja também: O que é o ômega-3 e qual o seu papel nutricional?

 

Pós-cirurgia

No pós-cirurgia, o paciente deve ser alimentado de forma precoce, desde que não ocorra nenhuma complicação.

Se possível, isso deve ser feito no primeiro dia após a cirurgia, pela via enteral. Superada essa primeira barreira, a alimentação deve aumentar progressivamente e caminhar para a transição para a dieta oral. Tal abordagem ajuda não apenas na recuperação da cirurgia, como também na evolução da funcionalidade do paciente1.

Entretanto, diante da complexidade exigida em uma cirurgia como essa em um paciente com câncer pancreático e Covid-19, pode ser preciso reconsiderar alguns aspectos com relação à nutrição.

Com isso, a introdução da nutrição parenteral pode ser indicada sempre que a via enteral não for capaz de fornecer os aportes recomendados, considerando as diretrizes sobre o tema ou os protocolos de cada instituição1. O paciente em questão não conseguiu evoluir com a dieta enteral e usou nutrição parenteral por 7 dias.

De qualquer forma, os autores do artigo concluem destacando a importância da preservação da massa muscular. Para tanto, a oferta proteica adequada e possivelmente o uso do ômega-3 nesse grupo de pacientes ajudariam na resolução da inflamação e manutenção da massa muscular. No entanto, os dados não são tão claros para a recomendação diante da presença da Covid-19.

Aproveite e veja também qual o impacto da desnutrição em pacientes no pré-operatório de doenças gástricas

 

 

Referências:

  1. Mundi MS, Mechanick JI, Patel JJ, Laviano A, Martindale RG, Zimmers TA. Case presentation and panel discussion: Nutrition issues in cancer. Journal of Parenteral and Enteral Nutrition. 2021 Nov;45(S2):S41-S46. Disponível em: <https://aspenjournals.onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/jpen.2220.> Acesso em 1º de abril de 2024
  2. Cederholm T, Jensen GL, Correia MITD, Gonzalez MC, Fukushima R, Higashiguchi T, … GLIM Core Leadership Committee, GLIM Working Group. GLIM criteria for the diagnosis of malnutrition–a consensus report from the global clinical nutrition community. J Cachexia Sarcopenia Muscle. 2019;10(1):207-217. Disponível em: <https://www.clinicalnutritionjournal.com/article/S0261-5614(18)31344-X/fulltext> Acesso em 10 de maio de 2024.
  3. Anker MS, Landmesser U, von Haehling S, Butler J, Coats AJ, Anker SD. Weight loss, malnutrition, and cachexia in COVID-19: facts and numbers. J Cachexia Sarcopenia Muscle. 2021;12(1):9-13. Disponível em: <https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1002/jcsm.12674> Acesso em 10 de maio de 2024
  4. Adiamah A, Skorepa P, Weimann A, Lobo DN. The impact of preoperative immune modulating nutrition on outcomes in patients undergoing surgery for gastrointestinal cancer: a systematic review and meta-analysis. Ann Surg. 2019;270(2):247-256. Disponível em: <https://journals.lww.com/annalsofsurgery/fulltext/2019/08000/the_impact_of_preoperative_immune_modulating.11.aspx> Acesso em 10 de maio de 2024

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