Desnutrição hospitalar pós-pandemia: onde estamos?
Com o avanço da vacinação, aliada às demais medidas de contenção da disseminação do sars-cov-2, o volume de casos de covid-19, incluindo aqueles que demandam hospitalização, caiu consideravelmente. Contudo, a desnutrição hospitalar pós-pandemia ainda precisa ser levada em conta nos quadros que exigem suporte intensivo.
Por isso, é essencial acompanhar os avanços indicados nas diretrizes a respeito das condutas a serem adotadas nesse contexto. É possível manejar os riscos de complicações nutricionais e garantir melhores desfechos clínicos.
As principais diretrizes de manejo nutricional para pacientes com covid-19
A BRASPEN (Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral)1 recomenda que todo paciente com covid-19 admitido numa unidade hospitalar passe por triagem nutricional em até 48 horas após a internação.
Reavaliações devem ser feitas sempre a cada 3 ou 4 dias, de acordo com a evolução do quadro. No mais, pacientes com permanência superior a 48 horas em unidades de terapia intensiva devem ser considerados sob risco de desnutrição.1
Em quadros não graves de COVID-19, a via oral deve ser a prioritária para a terapia nutricional, sempre. Caso a ingestão se mantenha em patamar inferior a 60% das necessidades nutricionais, mesmo com suplementação alimentar, a nutrição enteral deve ser considerada. Isso, claro, vale também para pacientes graves.
Por fim, se houver contraindicação da via oral e/ou enteral, a nutrição parenteral (NP) deve ser iniciada o mais cedo possível se o paciente está em um quadro grave. A Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral (BRASPEN)1 recomenda ainda considerar o uso de NP suplementar após períodos de 5 a 7 dias, em pacientes que não conseguirem atingir aporte calórico proteico superior a 60% por via digestiva.
O aporte calórico deve começar em patamar mais baixo (15 a 20 kcal/kg/dia) e progredir após a fase aguda inicial, se possível realizando calorimetria indireta. Em relação às proteínas, esses pacientes devem receber entre 1,5 e 2,0 g/kg/dia de proteína, mesmo em caso de disfunção renal aguda. É preciso observar as calorias não-nutricionais (principalmente em pacientes sedados com propofol e observar o risco do desenvolvimento de hiperalimentação).
Pacientes em posição de prona não devem ter a terapia nutricional suspensa. Todavia, a posição do cateter deve ser reavaliada sempre. Além disso, as pausas na dieta, antes e depois da movimentação do paciente, devem seguir o protocolo da instituição.
Saiba mais: Quais as necessidades nutricionais de pacientes com covid-19?
O risco de complicações nutricionais relacionadas a covid-19
Mesmo com as diretrizes da BRASPEN e de diversas sociedades mundo afora, a incidência de complicações nutricionais relacionadas a covid-19 durante e após a hospitalização ainda não são bem determinadas.
Desse modo, com o intuito de avançar nessa questão, um estudo conduzido em universidades italianas e publicado na Clinical Nutrition ESPEN2 procurou estimar a prevalência do risco de desnutrição em pacientes internados com covid-19 e acompanhá-los após a saída do hospital.
Foram incluídos no estudo 142 pacientes admitidos em um hospital italiano na cidade de Florença entre os meses de março e abril de 2020, quando a Itália era o epicentro da pandemia.
A partir disso, os parâmetros nutricionais foram medidos em três estágios: na admissão para internação, no momento da alta do hospital e 3 meses após a alta.
De acordo com o estudo, a média de perda de peso não intencional durante a internação foi de 7,6%, correspondendo a uma média de redução de 6,5 kg aproximadamente. Quanto maior a idade dos pacientes (acima de 61 anos), maior foi a perda de peso observada.
Além disso, pacientes admitidos em unidade de terapia intensiva ou semi-intensiva registraram perdas de peso significativamente maiores do que aqueles internados nas enfermarias(médias de 5,46% versus 1,19%).
No momento da alta, 12 pacientes estavam desnutridos, de acordo com parâmetros da ESPEN4. Após 3 meses da alta os pacientes ganharam, em média 4,36 kg.
Contudo, no geral, foi observado uma redução no peso de, em média, 2,2% em relação ao peso habitual medido no momento da internação. Apenas 7 pacientes reportaram um ou mais sintomas que pudesse impactar no estado nutricional no período de acompanhamento. Disgeusia e xerostomia foram os sintomas mais frequentes, seguidos por falta de apetite, disfagia a sólidos, disosmia e disfagia a líquidos.
A importância da nutrição clínica em pacientes com covid-19
Os autores do estudo italiano reforçam que os riscos de desnutrição relacionados a covid-19 estão associados a uma série de fatores, como tempo de permanência no hospital, gravidade do quadro e idade do paciente.
Desse modo, a identificação precoce dos pacientes sob maior risco de desenvolver tal condição pode ajudar na adoção de medidas de prevenção. O acompanhamento posterior entre aqueles que desenvolvem quadros de desnutrição durante a internação também deve ser considerado.
A própria ESPEN (European Society for Clinical Nutrition and Metabolism)3 reforça que a terapia nutricional precisa ser incluída como parte essencial do cuidado dos pacientes com covid-19, principalmente naqueles com comorbidades ou que sejam parte de grupo de risco, como pacientes idosos e frágeis. Essa abordagem integral certamente conduz a melhores desfechos, inclusive nos períodos de recuperação após a permanência em UTIs.
A expectativa de que a covid-19 se torne uma doença endêmica não significa que os impactos nutricionais da doença devam ser ignorados. Pelo contrário: será possível dedicar um melhor cuidado para aqueles que precisam de hospitalização. Dessa forma, entender a evolução da desnutrição hospitalar pós-pandemia faz parte do progresso no entendimento do quadro desta enfermidade e da evolução no suporte oferecido em todas as dimensões.
Agora, aproveite para entender melhor sobre a importância das proteínas em pacientes críticos.