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Quando a terapia nutricional em pacientes obesos críticos deve ser iniciada?

A necessidade de terapia nutricional em pacientes obesos muitas vezes é negligenciada pelos profissionais responsáveis pelo acompanhamento desse perfil de indivíduo. Apesar disso, pacientes com IMC acima de 30 têm chances 1,5 vezes maior de estarem desnutridos1.

Além disso, a obesidade é um fator de risco para desenvolvimento de sarcopenia, para o aumento de resistência à insulina, para a presença de estados inflamatórios e para desequilíbrios no metabolismo lipídico2. Portanto, a terapia nutricional é uma medida essencial para minimizar o catabolismo proteico que desencadeia a sarcopenia e reduzir o estado inflamatório do organismo3.

 

A introdução da terapia nutricional em pacientes obesos

Da mesma forma como acontece em pacientes eutróficos (ou seja, que apresentam bom estado nutricional segundo o IMC), a terapia nutricional via enteral deve ser iniciada logo nas primeiras 24 horas ou 48 horas da admissão na UTI, sobretudo quando a via oral não estiver disponível2.

É fundamental que na primeira abordagem após a admissão na UTI o paciente obeso, além dos parâmetros habituais da avaliação nutricional, seja considerado a análise de alguns outros marcadores de natureza metabólica. Entre eles estão a glicemia, os triglicerídeos, a circunferência abdominal e a pressão arterial2. A avaliação de determinados marcadores inflamatórios (como a proteína C reativa) também pode ser útil2.

Dessa forma, entre as comorbidades que podem predispor a um desfecho pior e precisam ser listadas nessa avaliação inicial estão3:

 

  • Diabetes;
  • Hiperlipidemia;
  • Síndrome da apneia obstrutiva do sono;
  • Doença pulmonar restritiva;
  • Cardiomiopatia com insuficiência cardíaca congestiva,
  • Hipertensão;
  • Trombose venosa profunda;
  • Alterações hepáticas que possam sugerir esteatose hepática não alcoólica.

 

Assim, identificar desequilíbrios nesses indicadores, bem como eventuais comorbidades, contribui para um manejo adequado, prevenindo complicações.

 

A estratégia nutricional indicada para pacientes obesos

Em princípio, pacientes obesos críticos tendem a se beneficiar de dietas hipocalóricas e hiperproteicas2. Tal combinação de fatores faz com que o organismo preserve massa magra e mobilize estoques de gordura, reduzindo eventuais efeitos negativos provenientes da hiperalimentação (overfeeding)2.

O ideal é que pacientes com esse perfil sejam submetidos sempre à calorimetria indireta2. Com isso, a mensuração das necessidades calóricas basais torna-se mais precisa. Para o cálculo das necessidades desse paciente, considera-se que a meta calórica não deve superar entre 60% e 70%2 do alvo calculado através da calorimetria indireta.

Se não houver acesso à calorimetria indireta, equações baseadas no peso podem ser usadas para determinar o aporte calórico, mas não há consenso sobre o tema. De todo modo, considerando pacientes com IMC ≥ que 30 kg/m2, o aporte diário deve variar entre 11-14 kcal/kg de peso atual por dia, ou ainda 22-25 kcal/kg de peso ideal por dia4.

Já para a oferta proteica, alguns estudos observacionais concluíram que a manutenção de um fornecimento de proteína entre 2-2,5 g/kg foi capaz de manter um balanço nitrogenado apropriado, independentemente da quantidade de calorias ofertadas5,6,7. No paciente obeso, em estado crítico, além de hipocalórica e hiperproteica, é recomendado que as fórmulas fornecidas respeitem uma relação de nitrogênio entre 30 e 50 calorias não proteicas/gN8.

 

Leia também: Afinal, as calorias não nutricionais precisam ser contabilizadas?

 

Os principais parâmetros de acompanhamento da terapia nutricional

Uma vez que a incidência de diabetes em pacientes obesos é maior, assim como a tendência de desenvolver resistência à insulina e pior resposta metabólica, é recomendado reforçar os protocolos de controle glicêmico na unidade de terapia intensiva4,10. Além do monitoramento de rotina, considere como determinados medicamentos podem influenciar no nível glicêmico (como catecolaminas, glicocorticoides e soroterapia com glicose, por exemplo)9.

Em paralelo, o paciente pode ser acometido por quadros de hipertrigliceridemia. Ou seja, tal acompanhamento também deve ser feito, junto com avaliação da capacidade hepática. Até dois terços dos pacientes obesos desenvolvem esteatose hepática, que está associada tanto à hipertrigliceridemia quanto à hiperglicemia9.

Outros parâmetros que precisam ser monitorados com cuidado redobrado são aqueles relativos ao desenvolvimento da hipercapnia. Pacientes obesos tendem a ter menor capacidade respiratória, levando à redução de CO2 no organismo. Sem o controle da dieta e a presença de síndrome de realimentação, a atividade metabólica pode fazer com que o paciente desenvolva quadros de hipercapnia ou ainda de acidose respiratória9.

Por fim, pacientes obesos em estado grave podem ter disfunção diastólica aumentada, elevando a pré-carga cardíaca devido ao incremento do volume sanguíneo necessário para suportar a acentuação da massa adiposa e do desenvolvimento da intolerância à hipervolemia9. Em todo caso, o monitoramento do balanço hídrico deve ser o mesmo daquele feito em qualquer outro paciente crítico11

Como acontece em outros casos, a terapia nutricional em pacientes obesos previne uma série de complicações e contribui para a evolução do quadro. Assim sendo, as chances de desfechos clínicos positivos são maiores. Seja como for, é fundamental levar em conta os cuidados para o manejo adequado desse perfil de paciente.

 

Aproveite para saber mais sobre a importância da monitorização correta da terapia nutricional.

 

 

 

 

Referências:

  1. Kee AL, Isenring E, Hickman I, Vivanti A. Resting energy expenditure of morbidly obese patients using indirect calorimetry: a systematic review. Obes Rev. 2012;13(9):753-65. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1467-789X.2012.01000.x Acesso em 9 mar. 2023.
  2. Castro, M. G., Ribeiro, P. C., Souza, I. D. O., Cunha, H. F. R., Silva, M. H. N., Rocha, E. E. M., … & Toledo, D. O. (2018). Diretriz brasileira de terapia nutricional no paciente grave. BRASPEN J, 33(1), 2-36. Disponível em: https://www.braspen.org/_files/ugd/a8daef_695255f33d114cdfba48b437486232e7.pdf Acesso em 05 abr. 2023.
  3. McClave SA, Kushner R, Van Way CW, Cave M, DeLegge M, Dibaise J, et al. Nutrition therapy of the severely obese, critically ill patient: summation of conclusions and recommendations. JPEN J Parenter Enteral Nutr. 2011;35(5 Suppl):88S-96S. Disponível em: https://aspenjournals.onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1177/0148607111415111 Acesso em 9 mar. 2023.
  4. McClave SA, Taylor BE, Martindale RG, Warren MM, Johnson DR, Braunschweig C, et al. Guidelines for the provision and assessment of nutrition support therapy in the adult critically ill patient: Society of Critical Care Medicine (SCCM) and American Society for Parenteral and Enteral Nutrition (A.S.P.E.N.). JPEN J Parenter Enteral Nutr. 2016;40(2):159-211. Disponível em: https://aspenjournals.onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1177/0148607115621863 Acesso em 05 abr. 2023.
  5. Dickerson RN, Medling TL, Smith AC, Maish GO, Croce MA, Minard G, et al. Hypocaloric, high-protein nutrition therapy in older vs younger critically ill patients with obesity. JPEN J Parenter Enteral Nutr. 2013;37(3):342-51 Disponível em: https://aspenjournals.onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1177/0148607112466894 Acesso em 9 mar. 2023.
  6. Dickerson RN, Boschert KJ, Kudsk KA, Brown RO. Hypocaloric enteral tube feeding in critically ill obese patients. Nutrition. 2002;18(3):241-6. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0899900701007936?via%3Dihub Acesso em 9 mar. 2023.
  7. Choban PS, Burge JC, Scales D, Flancbaum L. Hypoenergetic nutrition support in hospitalized obese patients: a simplified method for clinical application. Am J Clin Nutr. 1997;66(3):546-50.
  8. Dickerson RN, Drover JW. Monitoring nutrition therapy in the critically ill patient with obesity. JPEN J Parenter Enteral Nutr. 2011;35(5 Suppl):44S-51S. Disponível em: https://aspenjournals.onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1177/0148607111413771 Acesso em 9 mar. 2023.
  9. Finfer S, Chittock DR, Su SY, Blair D, Foster D, Dhingra V, et al. Intensive versus conventional glucose control in critically ill patients. N Engl J Med. 2009;360(13):1283-97. Disponível em: https://www.nejm.org/doi/10.1056/NEJMoa0810625?url_ver=Z39.88-2003&rfr_id=ori:rid:crossref.org&rfr_dat=cr_pub%20%200www.ncbi.nlm.nih.gov Acesso em 05 abr. 2023.
  10. Wiedemann HP, Wheeler AP, Bernard GR, Thompson BT, Hayden D, deBoisblanc B, et al. Comparison of two fluid management strategies in acute lung injury. N Engl J Med. 2006;354(24):2564-75 Disponível em: https://www.nejm.org/doi/10.1056/NEJMoa062200?url_ver=Z39.88-2003&rfr_id=ori:rid:crossref.org&rfr_dat=cr_pub%20%200www.ncbi.nlm.nih.gov Acesso em 05 abr. 2023.