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Quais as principais recomendações de lipídios na pediatria?

A quantidade, velocidade de infusão e tipo de lipídios ofertados na pediatria faz toda a diferença na segurança e na efetividade da nutrição parenteral (NP), já que as emulsões lipídicas intravenosas são parte indispensável desse suporte, inclusive como uma fonte de energia complementar aos carboidratos1,3. Ademais, os lipídios fornecem ácidos graxos essenciais e ajudam no fornecimento das vitaminas lipossolúveis A, D, E e K1,2.

Portanto, tudo isso reforça a necessidade de repassar as recomendações em nutrição parenteral para esse grupo de macronutriente em pacientes pediátricos em diferentes condições clínicas.

Quais são as recomendações do uso de lipídios na nutrição parenteral na pediatria?

Como já destacado, as emulsões lipídicas intravenosas são parte integral da nutrição parenteral de pacientes pediátricos2.

De forma geral, em bebês prematuros, as emulsões lipídicas podem ser iniciadas imediatamente após o nascimento1. No mais tardar, a emulsão pode ser oferecida no segundo dia de vida1. Já para aqueles com nutrição enteral suspensa, essa introdução pode ser feita no momento do início da NP. Além disso, as recomendações sobre o tema também indicam que2:

  • Emulsões lipídicas contendo óleo de peixe tem vantagens sobre emulsões convencionais em neonatos e pacientes pediátricos;
  • Para pacientes pediátricos com nutrição parenteral de longo prazo, as emulsões com óleo de peixe servem como fonte de energia e reduzem o risco de complicações hepáticas;
  • Tanto em pacientes neonatos quanto em pediátricos, a função hepática e o perfil de lipídios devem ser monitorados constantemente.
  • Em geral, é recomendado priorizar o uso de bolsas industrializadas com múltiplos compartimentos ou fórmulas prontas manipuladas, sempre considerando critérios econômicos e a expertise dos profissionais responsáveis pelo manejo;
  • Quando for preciso manipular as fórmulas, é fundamental que a prescrição seja checada e preparada por um farmacêutico capacitado;
  • Em fórmulas completas em macro e micronutrientes, além de eletrólitos (fórmulas denominadas “all-in-one”), o tempo de infusão nunca deve ultrapassar 24 horas.

De todo modo, além dessas recomendações listadas acima, é fundamental observar a quantidade de lipídios ofertada para garantir os benefícios na pediatria, o que será discutido no tópico a seguir.

 

 

Qual deve ser o aporte adequado de lipídios em pacientes pediátricos?

Em princípio, levando em conta as emulsões lipídicas mistas, mas compostas por óleo de peixe, as recomendações gerais devem considerar2:

  • Para pacientes neonatos, um aporte de 1 g/kg/dia, no primeiro dia, 2 g/kg/dia no segundo dia e 3 g/kg/dia no terceiro dia em diante;
  • Já em pacientes pediátricos (incluindo crianças e pré-adolescentes), tal aporte já deve começar em 3 g/kg/dia.

É importante observar também qual o tipo de emulsão lipídica está sendo utilizada. Ou seja, pode haver diferenças na quantidade necessária desse item para cobrir todas as necessidades de ácidos graxos em cada perfil de paciente.

A diretriz da Espen sobre o tema menciona, por exemplo, que uma oferta de 0,5 g/kg/dia de uma emulsão a base de óleo de soja fornecerá o patamar mínimo recomendado de ácido linoleico para um bebê prematuro1. Ao mesmo tempo, uma infusão de 1 g/kg/dia será necessária caso sejam utilizadas emulsões com triglicérides de cadeia média/óleo de soja ou emulsão contendo óleo de peixe1.

Seja como for, tendo como alvo a taxa de infusão máxima recomendada, a Espen aponta que todas as soluções comercialmente disponíveis (com exceção daquelas feitas a base de óleo de peixe puro) fornecem quantidade suficiente de ácido linoleico e ácido α-Linolênico1.

Raciocínio similar deve ser feito quando se consideram as necessidades de ácidos graxos poli-insaturados de cadeia longa. Eles englobam elementos como o ácido docosaexaenoico (DHA), ácido eicosapentaenoico (EPA) e ácido araquidônico (AA)1.

Tais itens desempenham papel essencial no desenvolvimento adequado de pacientes prematuros e geralmente não estão presentes em óleos de origem vegetal1,3-5. Dessa forma, bebês pré-termos que recebem emulsões sem óleo de peixe podem apresentar déficit grave e precoce de DHA, por exemplo6.

 

Que benefícios podem ser notados com a introdução das emulsões lipídicas adequadas?

Um estudo publicado em 2021 tentou mapear os benefícios e os possíveis pontos de atenção no uso de lipídios na pediatria a partir de emulsões compostas contendo óleo de peixe

Para isso, foram considerados pacientes pediátricos recebendo nutrição parenteral de longa duração. Isso leva a um grande risco de complicações por conta de quadros de doença hepática associada à falência intestinal7. Em resumo, esse problema é uma forma grave de colestase que surge depois da introdução da nutrição parenteral e não tem outra causa identificável8.

O estudo em questão foi feito de forma retrospectiva e utilizou os dados de 47 pacientes de um hospital infantil. A maioria dos participantes do estudo era neonato e tinha uma mediana de idade de 45 dias.

No total, 42 apresentaram um quadro de colestase (considerando bilirrubina direta >2 mg/dL) no início da terapia nutricional parenteral com emulsões lipídica contendo ômega-3 e foram incluídos para análise. Como resultado, a resposta à intervenção dividiu os pacientes em três grupos7:

  • 16 pacientes (38%) tiveram a colestase resolvida com uso de emulsão contendo óleo de peixe (bilirrubina acima de 2 mg/dL);
  • 7 pacientes (17%) tiveram uma melhora na bilirrubina direta, mas a colestase não foi resolvida;
  • 19 pacientes (45%) demonstraram pouca melhora (menos de 20%).

Por fim, dentre os cinco pacientes sem colestase no início da intervenção, nenhum deles evoluiu para um quadro de colestase após o início da terapia nutricional com uso de emulsão lipídica contendo ômega-37. Além disso, não foi encontrada nenhuma característica correlacionada com a terapia nutricional parenteral com emulsão lipídica mista (contendo ômega-3) e o diagnóstico de deficiência de ácidos graxos essenciais.

Assim sendo, ainda que os autores destaquem algumas preocupações de segurança (que precisam ser cuidadosamente monitoradas, sobretudo em neonatos) é provável que a oferta de lipídios na pediatria, utilizando emulsões lipídicas mistas, contribua para a redução dos quadros de colestase no grupo avaliado, principalmente para aqueles que iniciam a terapia com valores menores de bilirrubina direta7.

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Referências:

  1. Lapillonne A, et al. ESPGHAN/ESPEN/ESPR/CSPEN guidelines on pediatric parenteral nutrition: Lipids, Clinical Nutrition. 2018. Disponível em: <https://www.clinicalnutritionjournal.com/article/S0261-5614(18)31165-8/fulltext> Acesso em 10 de maio de 2024.
  2. Martindale RG, Berlana D, Boullata JI, Cai W, Calder PC, Deshpande GH, et al. Summary of proceedings and expert consensus statements from the international summit “Lipids in Parenteral Nutrition”. J Parenter Enteral Nutr. 2020;44:S7-S20. Disponível em: <https://aspenjournals.onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/jpen.1746> Acesso em 10 de maio de 2024.
  3. Lapillonne A. Enteral and parenteral lipid requirements of preterm infants. World Rev Nutr Diet. 2014;110:82-98. Disponível em: <https://karger.com/books/book/109/chapter-abstract/5051688/Enteral-and-Parenteral-Lipid-Requirements-of?redirectedFrom=fulltext> Acesso em 26 de março de 2024.
  4. Lapillonne A, Groh-Wargo S, Gonzalez CH, Uauy R. Lipid needs of preterm infants: updated recommendations. J Pediatr. 2013;162:S37-S47. Disponível em: <https://www.jpeds.com/article/S0022-3476(12)01386-8/abstract> Acesso em 26 de março de 2024.
  5. Koletzko B, Boey CCM, Campoy C, Carlson SE, Chang N, Guillermo-Tuazon MA, et al. Current information and Asian perspectives on long-chain polyunsaturated fatty acids in pregnancy, lactation and infancy. Systematic review and practice recommendations from an Early Nutrition Academy workshop. Ann Nutr Metab. 2014;65:i49-i80. Disponível em: <https://karger.com/anm/article/65/1/49/40928/Current-Information-and-Asian-Perspectives-on-Long> Acesso em 10 de maio de 2024.
  6. Lapillonne A, Eleni dit Trolli S, Kermorvant-Duchemin E. Postnatal docosahexaenoic acid deficiency is an inevitable consequence of current recommendations and practice in preterm infants. 2010;98:397-403. Disponível em: <https://karger.com/neo/article-abstract/98/4/397/232122/Postnatal-Docosahexaenoic-Acid-Deficiency-Is-an?redirectedFrom=fulltext> Acesso em 26 de março de 2024.
  7. Huff KA, Breckler F, Cruse W, Szeszycki E, Vanderpool C. Pediatric smoflipid therapy: patient response and safety concerns. J Parenter Enteral Nutr. 2021;45(4):792-799. Disponível em: <https://aspenjournals.onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/jpen.1929> Acesso em 26 de março de 2024.
  8. Tillman EM. Review and clinical update on parenteral nutrition associated liver disease. Nutr Clin Pract. 2013;28(1):30-39. Disponível em: <https://aspenjournals.onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1177/0884533612462900> Acesso em 26 de março de 2024.