Os pontos centrais no tratamento da síndrome do intestino curto
O tratamento da síndrome do intestino curto (SIC) deve considerar que essa é uma condição intestinal complexa, em que há a absorção insuficiente de nutrientes e/ou líquidos e eletrólitos por conta das consequências de problemas funcionais intestinais e/ou ressecção de partes do órgão1.
Toda intervenção proposta deve ter como objetivo manter e/ou melhorar a qualidade de vida do paciente2, por isso aqui estão as principais abordagens para o tratamento da SIC, destacando aquelas que tem relação direta com a nutrição.
Em resumo, a anatomia inerente a síndrome do intesitno curto é classificada com base na presença ou ausência de íleo e/ou cólon residual como consequência da ressecção conduzida. Nessas condições, é comum o paciente apresentar uma jejunostomia ou uma colostomia2.
Abordagens convencionais e não convencionais
Dieta e manejo de fluídos
Revisões sobre o tema mostram que a otimização da dieta é um passo importante no gerenciamento e no tratamento da síndrome do intestino curto2.
Assim sendo, pacientes nessas condições, e que já tenham superado a fase aguda da síndrome, possuindo cumprimento intestinal funcional suficiente, são aconselhados a consumir dietas de mais fácil absorção e adaptadas em função da fase da doença2.
Para pacientes que, após a ressecção intestinal, mantem jejunostomia terminal, pode haver benefícios com uma maior ingestão de gordura (40% da energia total). Por outro lado, isso pode resultar em um aumento da perda de alguns elementos (cálcio, magnésio, cobre e zinco), exigindo monitoramento rigoroso2.
Pacientes com preservação do cólon, por sua vez, podem se beneficiar de dietas com altas quantidades de carboidrato (60%) e menos gordura (20%)2;
Pacientes com estoma de alto débito podem estar desnutridos, principalmente se o cumprimento do intestino funcionante remanescente for curto3. Assim, a maioria dos indivíduos com menos de 75 cm de jejuno remanescente necessitam nutrição parenteral de longo prazo2.
Além disso, a maioria daqueles com intestino remanescente na faixa de 75 a 100 cm precisa receber solução endovenosa salina e, às vezes, com adição de magnésio3. Eles conseguem manter o estado nutricional, praticamente com um regime de oferta de nutrição oral/enteral, embora absorvam apenas cerca de 50% a 60% da ingestão de energia oral3, e, portanto, o suporte de nutrição parenteral, por vezes, se faz necessário.
Tratamento da diarreia
As alterações hormonais provocadas pela ressecção do intestino podem acelerar o trânsito intestinal, desencadeando quadros de diarreia. Nessas circunstâncias, o uso de medicamentos antidiarreicos pode ser importante. Um exemplo desse tipo de fármaco é a loperamida2.
Doses mais altas podem ser necessárias diante de uma ressecção ileal terminal e ausência de circulação entero-hepática4. Seja como for, os ganhos obtidos com esses medicamentos devem sempre ser monitorados4.
Uso de medicamentos antissecretores
Nos pacientes com a SIC, a hipersecreção gástrica e intestinal interfere na digestão através de efeitos na mucosa intestinal e nas enzimas pancreáticas2.
Com isso em mente, existem evidências que medicamentos como os inibidores da bomba de prótons e antagonistas dos receptores de histamina-2 reduzem eficazmente as secreções gástricas e melhoram a digestão e a absorção2.
Nesse cenário, algumas diretrizes recentes recomendam o uso de medicamentos antissecretórios por pelo menos seis meses após a cirurgia. Isso pode se dar por administração oral ou intravenosa4.
Adicionalmente, a terapia a longo prazo pode ser necessária em alguns indivíduos. É importante ressaltar que, embora sejam possíveis reduções de 20% a 25% no peso úmido das fezes e na excreção de sódio, geralmente não são observados efeitos na absorção de energia5.
Aportes de fibras e glutamina
Embora seja considerada em alguns contextos, as evidências disponíveis não corroboram com a adição rotineira de fibra ou glutamina para melhorar a absorção intestinal de pacientes com a síndrome do intestino curto2.
Sequestrantes de ácidos biliares e reposição de enzimas
Em pacientes com SIC e um cólon remanescente, os potenciais efeitos estimulantes dos ácidos biliares mal absorvidos no cólon têm levado ao uso de sequestrantes de ácidos biliares. Um dos mais empregados é a colestiramina2.
No entanto, o uso desses sequestrantes pode piorar a esteatorreia em pacientes com a síndrome do intestino curto. Pode ainda haver perdas adicionais de vitaminas lipossolúveis6.
Porém, a terapia de reposição de ácidos biliares conjugados mostrou efeitos benéficos na absorção de gordura e no estado nutricional de pacientes com SIC, com ou sem cólon7,8.
Uso de antibióticos e probióticos
Devido à ação de fermentação microbiana das fibras por bactérias, antibióticos devem ser geralmente evitados, sempre que possível2.
O uso desse tipo de medicamento pode ser indicado diante da suspeita de supercrescimento bacteriano do intestino delgado, uma complicação relativamente frequente da SIC6.
Já em relação à adoção de probióticos, não há evidências que sustentem o uso de tal recurso em pacientes adultos2.
Em suma, enquanto as alternativas de tratamento da síndrome do intestino curto que adotam uma abordagem mais convencional estão relativamente bem estabelecidas, novos estudos ainda precisam ser feitos para explorar abordagens inovadoras. Com isso, deve se reforçar a necessidade de uma adesão adequada às medidas de suporte nutricional, em cada fase da doença, e de maneira individualizada, observando sintomas e resposta dos manejos iniciados.
Aproveite e saiba mais sobre algumas das possíveis complicações da síndrome do intestino curto.
Referência:
- Pironi L, Arends J, Baxter J, et al. ESPEN endorsed recommendations: definition and classification of intestinal failure in adults. Clin Nutr. 2015;34:171‐180. Disponível em: <https://www.clinicalnutritionjournal.com/article/S0261-5614(14)00234-9/fulltext> Acesso em 09 de agosto de 2024.
- Wauters L, Joly F. Treatment of short bowel syndrome: Breaking the therapeutic ceiling?. Nutr Clin Pract. 2023;38. Disponível em: <https://aspenjournals.onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1002/ncp.10974>
- Nightingale J. How to manage a high-output stoma. Frontline Gastroenterol. 2022;13(2):140-151. Disponível em: < https://fg.bmj.com/content/flgastro/13/2/140.full.pdf> Acesso em 09 de agosto de 2024.
- Cuerda C, Pironi L, Arends J, et al. ESPEN practical guideline: clinical nutrition in chronic intestinal failure. Clin Nutr. 2021;40:5196‐5220. Disponível em: <https://www.clinicalnutritionjournal.com/article/S0261-5614(21)00329-0/fulltext> Acesso em 09 de agosto de 2024.
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