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De que forma a nutrição parenteral na cirurgia oncológica faz diferença?

Diferentes tipos de câncer (como aqueles que afetam o trato gastrointestinal) demandam procedimentos cirúrgicos como parte essencial do tratamento1. Nesse cenário, a desnutrição pode ser uma disfunção frequente entre pacientes submetidos a tais intervenções, o que faz da nutrição parenteral na cirurgia oncológica um recurso muito importante.

A oferta de terapia nutricional adequada a esse grupo de pacientes cirúrgicos ajuda a ampliar o aporte de energia, aumentar o peso corporal e reduzir a mortalidade2-4. Por consequência, isso pode melhorar a sobrevida e o prognóstico, assim como gerar economia com os custos da doença2-4.

 

O impacto da desnutrição no paciente oncológico

Considerando os pacientes de tumores gastroesofágicos, a desnutrição é uma complicação que atinge patamares superiores a 60% dos indivíduos 5. E essa preocupação é ainda maior quando considera-se que a desnutrição pode se manifestar tanto antes quanto depois da cirurgia oncológica6.

No pré-operatório, a desnutrição no paciente com câncer gástrico tende a ser resultado de deficiência de ingestão oral por obstrução tumoral e reflexo da caquexia6. Ambos os fatores são consequência da progressão do câncer6.

Já no pós-operatório, a desnutrição ocorre principalmente por conta da redução da ingestão via oral6. Alterações anatômicas após uma gastrectomia podem ser outra explicação nesses casos6.

De todo modo, os componentes relacionados ao período pré-operatório geralmente são responsáveis ​​pela perda de peso em estágios avançados do câncer gástrico6. Enquanto isso, os fatores pós-operatórios são fatores primários de desnutrição em todos os estágios desse tipo de doença6.

Diante de tudo isso, oferecer o suporte nutricional perioperatório (inclusive por meio de nutrição parenteral) pode ser uma medida essencial para prevenir complicações e melhorar a qualidade de vida, entre outros benefícios6.

 

As principais orientações para o uso da nutrição parenteral na cirurgia oncológica

As diretrizes para pacientes cirúrgicos da Espen (European Society for Clinical Nutrition and Metabolism), publicadas em 2021, orientam que, se pelo menos >50% da demanda de energia não for atendida apenas pela ingestão oral por mais de sete dias, uma combinação de nutrição enteral e parenteral deve ser considerada7.

Adicionalmente, a nutrição parenteral na cirurgia oncológica se torna indispensável se houver contraindicação para a nutrição enteral. É o que acontece, por exemplo, quando há uma obstrução intestinal7.

Para alcançar os melhores resultados possíveis com o uso da terapia nutricional parenteral, o guideline também recomenda que7:

  • Sistemas de administração all-in-one (bolsas com múltiplos compartimentos ) devem ser priorizados;
  • A suplementação de glutamina pela via parenteral pode ser indicada nos casos em que o paciente exige essa via de suporte nutricional de forma exclusiva;
  • A nutrição parenteral pós-operatória com ácidos graxos ômega-3 deve ser considerada em pacientes que requerem esse tipo de terapia nutricional;
  • Pacientes com risco nutricional grave deverão receber terapia nutricional antes de uma cirurgia de grande porte, mesmo que isso provoque o adiamento da intervenção. Intervalos de 7 a 14 dias podem ser necessários para isso.

Cabe ressaltar que todas as etapas do acompanhamento nutricional (da avaliação inicial para indicação precisa ao monitoramento adequado) devem ser conduzidas por uma equipe multidisciplinar contando com um nutricionista especializado no tema.

Saiba mais: Como a glutamina influencia na custo-efetividade da nutrição parenteral

 

Alguns dos benefícios obtidos com o uso da terapia nutricional nos pacientes cirúrgicos com câncer

Para avaliar melhor o benefício obtido com a utilização de diferentes formas de terapia nutricional na cirurgia oncológica, foi publicada, em 2023, uma revisão da literatura sobre o tema.  Para isso, foram considerados ensaios clínicos randomizados entre 2007 e 20221.

Os responsáveis pela publicação, citando artigos importantes para conclusões a respeito, apresentaram evidências de que há uma diminuição substancial nas complicações pós-operatórias em pacientes submetidos a cirurgia gastrointestinal que receberam nutrição parenteral pré-operatória8.

Além disso, um dos estudos com pacientes com câncer gastrointestinal gravemente desnutridos trouxe dados que evidenciaram que dez dias de suporte no pré-operatório e nove, no pós-operatório, demonstraram ser suficientes para reduzir a mortalidade e o risco de complicações em praticamente um terço9.

Outro achado interessante reforça que nutrientes imunomoduladores contribuem para reduzir a resposta inflamatória e complicações pós-operatórias1. Isso acontece por conta da regulação da resposta imune apresentada nessas circustâncias1.

Portanto, o uso de fórmulas de nutrição parenteral contendo óleo de peixe pode ser interessante. Os autores da revisão destacam que, entre um dos estudos consultados, a administração de doses entre 0,1 e 0,2 g/kg de peso/dia de ômega-3 colabora com o prognóstico de pacientes com câncer em estado grave10.

O conteúdo aqui apresentado é, claramente, apenas uma amostra da importância da nutrição parenteral na cirurgia oncológica. Dessa forma, profissionais envolvidos com o manejo desses pacientes devem estar atentos à melhor forma de utilizar a terapia nutricional ao longo de todo tratamento, bem como estar constantemente atualizado a respeito do assunto.

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Referências

  1. Zhang Y, et al. A narrative review of nutritional therapy for gastrointestinal cancer patients underwent surgery. J Investig Surg. 2023;36(1):2150337. Disponível em: <https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/08941939.2022.2150337> Acesso em 04 de setembro de 2024.
  2. Tyler R, Barrocas A, Guenter P, ASPEN Value Project Scientific Advisory Council, et al. Value of nutrition support therapy: impact on clinical and economic outcomes in the United States. JPEN J Parenter Enteral Nutr. 2020;44(3):395–406. doi:10.1002/jpen.1768. Disponível em: <https://aspenjournals.onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/jpen.1768> Acesso em 2 de agosto de 2024.
  3. Pimiento JM, Evans DC, Tyler R, ASPEN Value Project Scientific Advisory Council, et al. Value of nutrition support therapy in patients with gastrointestinal malignancies: a narrative review and health economic analysis of impact on clinical outcomes in the United States. J Gastrointest Oncol. 2021;12(2):864–873. doi:10.21037/jgo-20-32613. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC8107619/> Acesso em 04 de setembro de 2024.
  4. Gomes F, Baumgartner A, Bounoure L, et al. Association of nutritional support with clinical outcomes among medical inpatients who are malnourished or at nutritional risk: an updated systematic review and meta-analysis. JAMA Netw Open. 2019;2(11). Disponível em: <https://jamanetwork.com/journals/jamanetworkopen/fullarticle/2755665> Acesso em 04 de setembro de 2024.
  5. Hebuterne X, Lemarie E, Michallet M, de Montreuil CB, Schneider SM, Goldwasser F. Prevalence of malnutrition and current use of nutrition support in patients with cancer. JPEN J Parenter Enteral Nutr. 2014;38(2):196–204. Disponível em: <https://aspenjournals.onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1177/0148607113502674> Acesso em 2 de agosto de 2024.
  6. Kang MK, Lee HJ. Impact of malnutrition and nutritional support after gastrectomy in patients with gastric cancer. Ann Gastroenterol Surg. 2024. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC11216795/>  Acesso em 04 de setembro de 2024.
  7. Weimann A, et al. ESPEN practical guideline: Clinical nutrition in surgery. Clin Nutr. 2021;40(7):4745-4761. Disponível em: <Weimann A, et al. ESPEN practical guideline: Clinical nutrition in surgery. Clin Nutr. 2021;40(7):4745-4761. Disponível em: <https://www.espen.org/files/ESPEN-Guidelines/ESPEN_practical_guideline_Clinical_nutrition_in_surgery.pdf> Acesso em 04 de setembro de 2024.
  8. Burden S, Todd C, Hill J, Lal S. Pre-operative nutrition support in patients undergoing gastrointestinal surgery. Cochrane Database Syst Rev. 2012;11 Disponível em: <https://www.cochranelibrary.com/cdsr/doi/10.1002/14651858.CD008879.pub2/full> Acesso em 04 de setembro de 2024.
  9. Bozzetti F, Gavazzi C, Miceli R, et al. Perioperative total parenteral nutrition in malnourished, gastrointestinal cancer patients: a randomized, clinical trial. JPEN J Parenter Enteral Nutr. 2000;24(1):7–14. Disponível em: <https://aspenjournals.onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1177/014860710002400107> Acesso em 2 de agosto de 2024.
  10. Heller AR, Rössler S, Litz RJ, et al. Omega-3 fatty acids improve the diagnosis-related clinical outcome. Crit Care Med. 2006;34(4):972–979. Disponível em: <https://journals.lww.com/ccmjournal/abstract/2006/04000/omega_3_fatty_acids_improve_the_diagnosis_related.7.aspx> Acesso em 2 de agosto de 2024.