Hipofosfatemia e a síndrome da realimentação: o que você sabe sobre essa relação?
A relação entre hipofosfatemia e a síndrome da realimentação deve sempre ser considerada ao abordarmos um paciente que ficou muito tempo em jejum, recebendo baixo aporte nutricional ou mesmo desnutrido, uma vez que a reintrodução da alimentação (inclusive por via enteral ou parenteral) está frequentemente associada a essas complicações1.
Logo, vale entender melhor quais mecanismos desencadeiam a síndrome de realimentação e de que forma quadros de hipofosfatemia estão associados a ela. A partir disso, é possível delimitar estratégias para reduzir os riscos e gerenciar da melhor forma possível o estado nutricional de pacientes em diferentes condições clínicas.
Qual a relação entre a hipofosfatemia e a síndrome da realimentação?
A literatura sobre o assunto mostra que a hipofosfatemia (caracterizada por níveis de fósforo abaixo 0,65 mmol/L)2 tende a ser causada por quatro mecanismos. Eles envolvem, de maneira direta3,4:
- A redução da ingestão alimentar e/ou;
- A redução da absorção intestinal e/ou;
- A redistribuição interna do mineral e/ou;
- Aumento da perda renal.
Muitos fatores de predisposição para a hipofosfatemia atingem pacientes críticos, independentemente da idade. É por isso que atenção redobrada deve ser dispensada para a identificação de riscos para a síndrome de realimentação nesse grupo5.
Na prática, a síndrome da realimentação costuma ser descrita como um distúrbio metabólico resultado da introdução da nutrição via enteral ou parenteral em pacientes desnutridos6.
A evolução do quadro da síndrome da realimentação começa com a desnutrição. A partir disso, há a depleção dos eletrólitos intracelulares, como é o caso do fósforo.
Em seguida, a reintrodução de uma terapia nutricional eleva a insulina e reduz a secreção do glucagon. Por conta disso, a síntese de glicogênio, gordura e proteínas volta a ser estimulada. Isso exige uma grande quantidade de nutrientes como o fósforo, o magnésio e a tiamina7.
No fim, o pico de insulina estimula o consumo intracelular de fósforo, potássio e magnésio e toda essa cascata de processos reduz a concentração dos minerais no sangue, caracterizando, quando falamos do fósforo, a hipofosfatemia8. Diante disso, ela também costuma ser chamada de hipofosfatemia de realimentação, por estar associada ao processo de realimentar o paciente6.
A conexão entre hipofosfatemia e a síndrome da realimentação é sempre destacada porque a deficiência de fósforo tende a ser a alteração mais notável em tal condição clínica9. Logo, esse costuma ser visto como o marcador mais significativo da síndrome de realimentação9.
O que se sabe sobre a incidência desse tipo de problema?
É preciso sempre destacar que o risco da síndrome de realimentação e da hipofosfatemia deve ser considerado em pacientes de todas as idades e em diferentes contextos clínicos.
Evidências da incidência de hipofosfatemia em crianças internadas em UTI, por exemplo, mostram que entre 5% e 76% dos pacientes desse perfil podem apresentar o quadro, dependendo do ponto de corte considerado5.
Do mesmo modo, embora haja dúvidas sobre a definição da síndrome de realimentação em pacientes neonatais em terapia intensiva, estima-se que entre 20% e 90% desse público também apresenta sinais de hipofosfatemia, de acordo com uma revisão sobre o tema10.
Outras evidências mostram o risco do problema em pacientes adultos admitidos em unidades hospitalares por conta de cirurgias de emergência. Para isso, um estudo inglês reuniu as informações de 125 pacientes, que tiveram dados demográficas e nutricionais coletados11.
O diagnóstico mais comum entre esse grupo foi de obstrução intestinal. Além disso, 59% deles foram diagnosticados com alto risco nutricional logo na admissão. Em média, todos receberam a nutrição parenteral por 11 dias e 54% tiveram sinais de alterações no nível do fósforo11.
Por fim, outro exemplo de atenção com disfunções metabólicas associadas à síndrome de realimentação são os pacientes submetidos a cirurgias bariátricas.
Resumidamente, destacamos um relato de caso publicado em 2016 que mostra como uma paciente, que havia passado pelo procedimento e usava nutrição parenteral, apresentou desequilíbrios eletrolíticos significativos1.
Isso reforça que pacientes após a cirurgia bariátrica estão sob risco da síndrome de realimentação, mesmo quando ainda estão acima do peso. Logo, protocolos para o manejo da síndrome são necessários e fundamentais para guiarem condutas que reduzam o risco para o desenvolvimento de complicações. Após 14 dias, os níveis de fosfato voltaram ao normal e os sintomas neurológicos melhoraram1.
O que pode ser levado em conta para reduzir o risco desse problema?
Um dos marcadores utilizados para avaliar o risco de síndrome de realimentação é a mensuração da concentração sérica de albumina, ainda que tal alteração possa estar associada a outras comorbidades, incluindo a própria desnutrição13.
Nesse cenário, novos estudos vêm tentando demonstrar medidas quantitativas para análise do risco e predição da síndrome de realimentação, como é o caso de uma publicação de pesquisadores da Universidade Estadual de Ohio.
Eles levantaram a hipótese de que a análise da composição muscular poderia predizer o risco de tal complicação. No artigo, pacientes com uma densidade muscular menor, medida via tomografia computadorizada e análise do músculo psoas, apresentavam um maior comprometimento nos níveis de fósforo no organismo e, consequentemente, risco mais elevado de desenvolver a síndrome de realimentação13.
Seja como for, diante da relação entre hipofosfatemia e a síndrome da realimentação, profissionais responsáveis pelo manejo de indivíduos recebendo terapia nutricional devem estar atentos aos fatores clássicos de riscos, as medidas essenciais para diminuir a chance do problema (começando com aporte calórico reduzido no início da reintrodução da nutrição, por exemplo) e o monitoramento apropriado ao longo de toda a jornada do paciente6.
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Referências
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